A superlotação das unidades prisionais de Santa Catarina preocupa tanto os órgãos de segurança como os de Justiça. Não só pela possibilidade de queda na qualidade do atendimento – cujo propósito deveria ser o de ressocialização – mas pelo risco de rebeliões ou ações comandadas pelos presos.
No primeiro trimestre, a Secretaria de Segurança Pública divulgou redução nos índices de criminalidade que foi atrelada ao aumento das operações policiais e consequente salto no número de prisões. Com as cadeias abarrotadas, o governo do Estado decretou situação de emergência, no início deste mês, para agilizar a construção de novas vagas.
Nesta segunda-feira, a Defensoria Pública anunciou força-tarefa para reavaliar a situação dos presos que deveriam estar cumprindo pena em regime semi-aberto, só que, por falta de vaga, continuam no fechado, o que contribui para a superlotação.
Pelo menos 25 defensores públicos foram destinados ao mutirão e estão responsáveis por avaliar seis mil processos de execução penal até 14 de dezembro. O objetivo é alcançar entre 300 e 600 pedidos de reavaliação da condição do preso. Entre os critérios, os defensores devem avaliar o tempo que falta para a progressão ao regime aberto, o comportamento dentro da cadeia e se é possível aplicar a medida da tornozeleira eletrônica.
Segundo a Defensoria Pública, 4,9 mil presos deveriam estar cumprindo pena no semi-aberto (unidades agrícolas ou industriais que viabilizam trabalho aos presos). Só que mais de 70% deles estariam cumprindo pena nos estabelecimentos fechados.
“Nós conversamos com a Secretaria de Justiça e Cidadania, o Poder Judiciário e o Ministério Público para alinhar o foco da força-tarefa. Embora ela ocorra periodicamente, é importante intensificar nesse momento em que o Estado decretou emergência”, avaliou a defensora pública-geral, Ana Carolina Dihl Cavalin.
Só que o mutirão da DP vai depender de articulação do Poder Judiciário para que os pedidos sejam apreciados. De acordo com o juiz-corregedor Rodrigo Tavares Martins, será preciso dialogar com os juízes das comarcas que estão com maior demanda: Florianópolis, São José, Itajaí, Blumenau, Curitibanos, Criciúme e Chapecó.
Além disso, no início deste mês, os juízes das Varas de Execução Penal se reuniram para tratar sobre as interdições das unidades prisionais e do projeto de audiências de custódia. De acordo com Martins, os juízes estão fazendo o trabalho de revisar a situação de cada unidade, mas as decisões são exclusivas de cada um dos magistrados.
Sobre o projeto, Martins revelou que houve acordo com o Departamento de Administração Prisional (Deap) para que o preso detido em flagrante possa esperar a audiência de custódia (caso seja necessário) no sistema prisional sem que ele seja considerado na contagem total da massa carcerária.
É que a audiência de custódia é realizada em até 24h após a prisão em flagrante com a presença do preso e da defensoria pública. Nessa audiência, o juiz avalia a legalidade da prisão e verifica a necessidade de mandar o detido para o presídio ou se é possível substituir a prisão por medida cautelar.
Superlotação já foi motivo de ataques e rebeliões
A superlotação é um problema antigo no sistema carcerário brasileiro. Especialistas e integrantes dos poderes que atuam na segurança pública, atribuem o entupimento das cadeias ao surgimento das facções criminosas no País. Com a cadeia cheia, os agentes não dão conta de fazer o mesmo controle que fariam caso a unidade estivesse atendendo dentro da capacidade.
“As organizações criminosas surgiram em decorrência de violações estatais. São pessoas que se uniram para combater a violência por parte do Estado. Não estou dizendo que a ação deles é legítima, porque fazem isso através da pratica de crimes também. Mas, o Estado fomentou”, disse em entrevista ao OCP News, a defensora pública que atua no Tribunal do Júri em Florianópolis, Fernanda Mambrini Rudolfo.
Em ondas de atentados que ocorreram em Santa Catarina, a superlotação do sistema foi um dos motivos atribuídos aos crimes comandados de dentro das cadeias. Foi dessa forma, também, que unidades prisionais no Norte do País perderam o controle, foram tomadas por rebeliões e acabaram sendo palco de massacre de presos no início do ano passado.
Para dar resposta ao aumento da violência em Santa Catarina, o Estado investiu em segurança. As prisões aumentaram consideravelmente e, por consequência, abarrotaram o sistema prisional. Embora a Secretaria de Segurança Pública tenha aparentemente aliviado a criminalidade nas ruas, agora precisa lidar com o abarrotamento das prisões.
“É claro que o aumento de prisões acaba inchando o sistema prisional. Mas a secretário de Justiça e Cidadania está fazendo trabalho exemplar junto ao TJ para intensificar o uso de tornozeleira eletrônica, além do trabalho conjunto com a Execução Penal. O decreto de emergência também vai possibilitar a construção de novas vagas”, defendeu o secretário de Segurança Pública, Alceu de Oliveira Pinto Junior.
Segundo a defensora pública-geral do Estado, Ana Carolina Dihl Cavalin, antes da intensificação nas operações de segurança, a polícia prendia uma média de quatro pessoas por dia. Hoje, a média fica entre oito e dez prisões.
“A maior parte (das pessoas) é presa por droga, aquele que vende para alimentar o vício. Nesse caso, o investimento deveria ser em saúde e não na política criminal. É equivocada a política de guerra às drogas, pois contribui para a superlotação”, avaliou Ana Carolina.
O que muitos especialistas defendem é a prisão mais assertiva, daquele que realmente comanda o negócio ilícito e está ligado à facções criminosas. Na semana passada, a Central de Investigação do Continente (Cicon) prendeu 22 pessoas. Só que, de acordo com o delegado João Adolpho Fleury Castilho, as prisões foram todas temporárias justamente porque tinham a função apenas de contribuir com a investigação.
A Polícia Militar, por sua vez, acabou de fazer uma super operação no Estado que resultou em 221 prisões de motoristas embriagados e 88 prisões por delitos adversos que não foram especificados. As detenções ocorreram em barreiras montadas pelo Estado e em vistorias de bares.
“Embora haja a estratégia de qualificar as prisões, principalmente focadas na apreensão de armas pesadas, não há uma escolha. As prisões continuam andando mesmo com a limitação de vagas, o que não é novidade e nem exclusividade de SC. As duas questões estão sendo trabalhadas em conjunto”, explicou o secretário.