Por que a violência diminuiu e as mortes em confronto continuam aumentando

Por: Schirlei Alves

23/04/2018 - 06:04 - Atualizada em: 23/04/2018 - 07:38

A Secretaria de Estado da Segurança Pública nem esperou o semestre terminar para divulgar o êxito em reduzir os índices da criminalidade no Estado. Os números, apresentados no início de abril, apontam queda nos crimes mais violentos nos três primeiros meses do ano, se comparado ao mesmo período do ano passado.

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Os homicídios reduziram 19,5% (de 282 para 227), os latrocínios (roubo com morte) caíram 21,4% (de 14 para 11), os roubos diminuíram 34,8% (de 5.059 para 3.297) e os furtos caíram 23,2% (de 33.885 para 26.032).

O único tipo de crime violento que aumentou, segundo os dados da SSP,  foi a morte em intervenção policial: 71,4% (de 14 para 24). O crescimento já vem ocorrendo desde o ano passado, quando o número de mortes em ações policiais registrou alta de 26,2% no Estado (de 61 para 77).

 

Preocupado com o aumento no número de casos, principalmente na Capital (de 7, em 2016, para 16, em 2017), o Ministério Público de Santa Catarina, órgão responsável pelo controle externo das polícias, instaurou um procedimento para apurar quem são os policiais envolvidos nessas ocorrências, em quais batalhões atuam e quais foram os desdobramentos dos inquéritos policiais militares (IPM) instaurados pela Polícia Militar, pois a maior parte das mortes ocorreu em ações da corporação.

Só que o procedimento instaurado pela 40ª Promotoria de Justiça da Capital está parado desde julho do ano passado, segundo o MP, por causa da rotatividade dos promotores substitutos. A promotora titular deve retornar ao cargo ainda este mês.

No relatório, ao qual a reportagem do OCP News teve acesso, o MP também solicitou informações sobre as ocorrências que resultaram em confronto nos últimos cinco anos em todo o Estado.

O novo comandante-geral da PM, coronel Araújo Gomes, que assumiu o cargo em fevereiro deste ano, associa o aumento de mortes ao investimento em operações policiais, que, na avaliação dele, teria implicado em mais contato com a criminalidade violenta; no aumento de apreensão de armas e drogas, o que teria incitado a revolta e consequente reação; e a vantagem de a polícia dispor de treinamento especializado.  

“O que precisa ficar claro é que a letalidade policial não é uma escolha racional e planejada. É uma contingência imposta por uma situação crítica. A polícia não deseja isso, cada situação de confronto representa um momento crítico de segurança para o nosso policial”, defendeu o coronel Araújo.

No entanto, o comandante diz que esse índice deve começar a cair na medida em que o domínio das áreas conflagradas for retomado pelo Estado.  

Apesar de compreender os riscos aos quais os policiais são expostos, o MP demonstra preocupação com o aumento de mortes e com a qualidade de vida dos policiais envolvidos nas ocorrências.

“É uma situação preocupante. Precisa observar se de fato (o número de mortes em confronto) vai diminuir. É preciso também fazer um acompanhamento do policial envolvido nesse confronto, porque a morte não pode ser vista como uma coisa natural”, destacou o promotor Wilson Paulo Mendonça Neto, da 5ª Promotoria de Justiça, que atua na área criminal-militar.

SC carece de dados sobre mortes em confronto

Em uma das comunidades vulneráveis de Florianópolis, a Vila União, onde a reportagem do OCP News esteve há duas semanas, os moradores relataram que sentem medo tanto dos criminosos que tentam invadir a comunidade com o intuito de dominar o espaço quanto da polícia. A forma como as abordagens ocorrem são reprovadas por eles. Algumas mortes também são questionadas.

“Meu companheiro foi assassinado pela polícia porque correu. Ele foi encontrado atrás do muro cheio de tiro. Até hoje, não sei nada sobre a investigação”, relatou uma jovem que não quis se identificar.

O OCP News questionou o secretário de Segurança Pública, Alceu de Oliveira Pinto Júnior, sobre a investigação dos homicídios em decorrência de ações policiais e o medo que os moradores têm em denunciar. Ele afirmou que todos os casos são investigados, inclusive as denúncias, e que os policiais recebem apoio psicológico.

“Toda operação policial tem um acompanhamento e tem um controle disso que está acontecendo. Além disso, existe o cuidado de fazer um acompanhamento dos policiais que se envolvem em confronto e dos que participam de operações”, garantiu o secretário.

A reportagem solicitou ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina informações sobre os resultados dos processos de homicídio cujos autores são policiais. Porém, ambos os órgãos alegam que não é possível fazer esse levantamento, uma vez que os casos não ficam concentrados em uma única promotoria, pois são distribuídos às comarcas dos locais de crimes e não são separados por autor.

A defensora pública que atua no Júri da Capital, Fernanda Mambrini Rudolfo, questiona a discrepância entre os números de mortes decorrentes de ações da PM (70 mortes em 2017) e operações da Polícia Civil (7 mortes no mesmo ano), ainda que a corporação militar faça mais incursões do que a PC.

“Não quero defender essa ou aquela corporação. Mas, normalmente, quando a PC vai, não dispara um tiro, quando a PM vai, acaba tendo confronto. O treinamento deles (PM) é voltado para o confronto. Infelizmente, esse é um resquício da militarização da polícia”, destacou Fernanda.

Já o policial militar Elisandro Lotin, que é presidente da Anaspra e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, concorda que o aumento de mortes em confronto tenha se dado em função da maior presença da PM em operações pelo Estado. Porém, chama a atenção para a falta de continuidade dos trabalhos sociais após as operações, o que poderia manter os índices reduzidos.  

“A curto prazo, a polícia tem que retomar o espaço. Agora, para manter o controle, precisa investir em políticas públicas preventivas. Não existe segurança pública só com polícia, a situação é mais complexa do que isso e a nossa sociedade não consegue entender”, completou Lotin.

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