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Ah como eu curtia os rituais da dindinha e dindinho Pacheco!

Por: Nelson Luiz Pereira

17/12/2022 - 09:12 - Atualizada em: 17/12/2022 - 11:06

Contei essa minha memória ao brother leitor Itamar Nazário em um encontro festivo. Me disse que gostaria de ver publicada, para ler no café da manhã.

Eis então: Meu avô materno, ou dindinho Pacheco, assim chamado carinhosamente pelos netos, bisnetos e “tatarecos,” como ele mesmo dizia, viveu com saúde até os 94 anos. No meio de uma noite, ele esqueceu de respirar e, sorrateiramente, partiu.

De origem açoriana, nasceu em Biguaçu, mas se mudou muito cedo para Rio do Oeste, numa rua sem saída, conhecida por “Rua do Sossego.” Ou seja, saiu do sossego de Biguaçu para o sossego de Rio do Oeste.

Nunca conheci um carpinteiro pescador tão sossegado. Os únicos momentos de desassossego, ficavam por conta de suas festas de aniversário. Eram bailes de terreiro que iniciavam no sábado e terminavam no domingo. Sua dança “passinho pachequeiro” com as “veinhas” do vilarejo, se assemelhava ao xaxado, que fazia levantar poeira.

Era de praxe, a cada encontro, eu abordá-lo assim: benção dindinho, como você está? Sua resposta, a partir dos 80 anos, sempre foi a mesma: “tô de saco cheio de viver ‘mo filhu.’ Essa morte não vem mais.” Certa feita, flagrei uma cena que ficou na minha memória. Um vizinho bateu palmas em frente ao portão enquanto dindinho tirava uma sesta de duas horinhas no assoalho da varanda.

Lembro-me integralmente daquela conversa: – Boa tarde seu Pacheco. O ‘sinhô’ tá ‘de varde’ hoje? – perguntou o vizinho. – Sim, o que tú ‘quéix?’ – Preciso de um carpinteiro pra fazer um galinheiro lá em casa. Podemos fechar uma empreitadinha? – Podemos, mas ‘quéix’ começar hoje? – Se o senhor tá ‘de varde’ podemos começar hoje sim – sugeriu o vizinho. – Mas hoje já é quarta-feira, amanhá é quinta, depois é sexta, sábado e domingo. ‘Mió’ começar na ‘sumana’ que vem e fazer uma ‘sumaninha’ cheia, pode ser?

Foi com esse diálogo que passei a entender porque meu dindinho se dizia de saco cheio de viver. Eu curtia dois momentos com meus avós: i) a pasta de feijão amassada com garfo, da dindinha, ela sabia que eu adorava; e ii) estar do lado do dindinho, observando aquele moroso ritual do palheiro.

Ele se sentava no toco de madeira do ranchinho, escolhia com astúcia a melhor palha de milho. De posse de seu afiado canivete de cabo de chifre, alisava e cortava com perfeição aquela palha. Picava o pedaço do fumo em corda e desfiava friccionando entre as mãos. Com aquela peculiar paciência de Jó, enrolava com esmero, passava a língua salivada para fechar o palheiro, retirava do bolso seu avio, regulava o pavio e ascendia. Me dirigia aquele olhar irônico e a primeira baforada era no meu rosto.

No dia de seu velório, no momento da despedida, ao lado do féretro, meu irmão Arno cochichou ao meu ouvido: – Nelson, vou arredar as flores um bocadinho e você abre o zíper dele. Vamos averiguar se o ‘saquinho’ não está estourado, afinal, ele dizia que estava de saco cheio de viver.

Bem, dentre tantas boas lembranças, aquela pasta de feijão e a primeira baforada do palheiro, impregnaram pra sempre minha alma com o gosto da dindinha e o cheiro do dindinho.

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Nelson Luiz Pereira

Administrador, escritor, membro do Conselho Editorial do OCP e colunista de opinião e história.