♫ “Welcome, my son, welcome to the machine/ Where have you been?/ It’s alright, we know where you’ve been”♫ (Welcome to the machine; Pink Floyd)
“Big Brother is watching you.” A frase eternizada por George Orwell no livro 1984, seu clássico distópico publicado em 1949, soava como um alerta sombrio sobre um futuro totalitário onde o Estado, por meio da onipresença da tecnologia, tudo via, tudo ouvia e tudo controlava. À época, parecia ficção científica. Hoje, parece… segunda-feira.
Mas, curiosamente, o “Grande Irmão” do século XXI não veste farda nem carrega uma pasta com emblema estatal. Ele veste o casaco sedutor dos algoritmos, fala a linguagem do engajamento, promete conteúdo sob medida, amigos perfeitos e recomendações personalizadas. Só não diz que vai estar com você o tempo todo, e que sabe tudo sobre você, possivelmente mais que você mesmo.
A internet, nas suas múltiplas formas, está sempre por perto: notificações no bolso, assistentes virtuais na cozinha, cookies no navegador, sugestões de vídeos que parecem saber exatamente seu humor no momento. Seu histórico de busca revela seus medos. Seus cliques, seus desejos. Suas curtidas, suas convicções. E o mais assustador: você autorizou tudo isso sem sequer ler os termos e políticas.
Eficiência garantida
Redes sociais, motores de busca, sites de compras, plataformas de streaming e IAs generativas construíram um ambiente digital tão eficiente que nem Orwell poderia prever. Nem Huxley, nem Bradbury, nem Tchápek.
Não se trata mais apenas de vigilância, trata-se de antecipação. Eles sabem o que você quer antes mesmo de você querer. E não fazem isso por mal. Fazem porque é rentável.
No 1984, a vigilância existia para oprimir. Nos tempos internéticos, ela existe para conquistar e manter a sua atenção. Mas o efeito pode ser tão insidioso quanto lá. Quem dita o que você consome, lê, ouve, compra ou acredita? Um feed treinado nos seus próprios vieses. O algoritmo é o novo filtro da realidade. A bolha digital é o novo muro da ignorância.
E a inteligência artificial só potencializa esse processo. Cada vez mais presente em assistentes virtuais, buscas, conteúdos e decisões, a IA já opera sem ser percebida. O que antes era escolha, hoje é indução. O que antes era curiosidade, agora é predição. O que antes era liberdade, virou comodidade automatizada.
Ironia ou calculismo?
O mais irônico? As empresas chamam isso imponentemente (leia-se comercialmente) de personalização. Mas, em nome do conforto, as pessoas estão renunciando à dúvida, ao incômodo, à contradição e, consequentemente, ao pensamento crítico.
Não se engane, isso está bem longe de ser “liberdade de expressão”. As grandes empresas de tecnologia fazem de conta que lhe dão liberdade, mas está cada vez mais raro nas redes sociais e na internet em geral, a partir do momento que elas conduzem as idas e vindas do usuário. No máximo, uma liberdade vigiada. Uma tornozeleira eletrônica virtual e invisível.
Isso não significa, obviamente, que a tecnologia deva ser demonizada. Ela é ferramenta, não vilã. Mas como toda ferramenta poderosa, precisa de consciência no uso. A distopia orwelliana foi criada para alertar, não para se realizar.
Então, se há um conselho possível, talvez seja este: questione. Não apenas o poder, como queria Orwell, mas também as facilidades. Leia algo que não lhe agrade. Busque fontes diferentes. Converse com quem discorda. Ensine seus filhos a desconfiar da primeira resposta que o Google der. Desligue de vez em quando. Não existe almoço grátis.
Porque, afinal, enquanto você acha que está usando a internet, é bem provável que seja ela que esteja usando você.