O ordenamento jurídico brasileiro sempre prezou pela distinção entre a independência e a autonomia patrimonial da empresa e a dos seus sócios e administradores, com a finalidade de imputar à empresa a responsabilização em função de suas atividades e riscos, salvaguardando seus sócios.
Nessa máxima, as normas que regulam a atividade empresarial preveem a responsabilidade limitada dos seus sócios, que só responderiam por atos irregulares de gestão quando incorrerem em culpa ou dolo, em caráter excepcional.
Essa separação tem o condão de fomentar a atividade empresarial – fonte geradora de tributos e empregos, proporcionando equilíbrio entre as relações sociais e a proteção da empresa.
Nas últimas décadas, entretanto, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, através do qual se atribui aos sócios a responsabilidade por práticas cometidas pela empresa, antes aplicado em caráter excepcionalíssimo, passou a ter uma aplicação desenfreada, em um movimento contrários às premissas legais, reforçado pela jurisprudência de nossos tribunais.
Nesse cenário, observa-se o surgimento de normas inconstitucionais, práticas de exigência de débitos sem comprovação de conduta dolosa ou fraudulenta por parte dos sócios, a inversão do ônus da prova de modo a impor ao sócio a comprovação de que não atuou com excesso de poderes ou com intenção de fraudar a lei.
Essa flexibilização da aplicação descontrolada do instituto da desconsideração da personalidade jurídica acarretou grandes problemas para o setor econômico do país nos últimos anos, afastando investidores e prejudicando o desenvolvimento da atividade empresarial.
E é principalmente na esfera tributária que vêm sendo travadas as principais discussões a respeito do tema: em um sistema de cobrança desequilibrado, através do qual se busca no patrimônio privado de sócios e administradores a quitação de débitos de responsabilidade originária das empresas às quais estão vinculados.
Não é de hoje que empresários catarinenses se preocupam com a possibilidade de responsabilização pelo crime de apropriação indébita quando se encontram meramente inadimplentes com o fisco catarinense.
A questão vem sendo levantada nos últimos anos, nas hipóteses em que a empresa declara o imposto devido, mas não possui condições financeiras de efetuar o recolhimento. A matéria ainda pende de análise pelo Supremo Tribunal Federal, e o meio jurídico e empresarial aguarda impacientemente que seja revertida.
Em um sistema tributário tão complexo quanto ao atual, equívocos podem acontecer. Evidente que não se questiona a existência de práticas fraudulentas no mercado, mas o que não se pode admitir é que a presunção de culpa dos sócios e administradores se torne regra geral.
Nesse cenário, uma coisa é certa: é necessária a correta aplicação da Lei, com a mitigação da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica apenas a casos excepcionais e comprovados, de maneira a salvaguardar não apenas o patrimônio dos sócios e administradores, mas também sua liberdade.
Em que pese o desvirtuamento da aplicação do instituto no passado, atualmente visualiza-se uma tendência do Governo em criar incentivos à iniciativa privada, através de medidas que visam retomar a distinção clara entre a responsabilidade da pessoa jurídica e seu sócio, e fomentar a atividade empresarial, buscando assegurar aos investidores que o Brasil é um país seguro para desenvolver suas atividades.
Artigo elaborado pelo advogado Célio Dalcanale, inscrito na OAB/SC sob nº 9.970, graduado em Direito pela Universidade Regional de Blumenau – FURB e em Contabilidade pela Faculdade de Ciências Administrativas de Joinville. Pós-Graduado em Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito Tributário. Sócio da Mattos, Mayer, Dalcanale & Advogados Associados. Atua nas áreas de Direito Empresarial, Direito Societário e Direito Tributário. Expert em planejamento sucessório, tributário e patrimonial de bens de sócios e diretores de empresas.