“Eu pensei que o raio não caía duas vezes no mesmo lugar”, lamenta a agora ex-moradora da Vila Freitas. A história da costureira Jaqueline Pereira Vavassori pode ser definida como de superação e, mais do que isso, é de solidariedade e amor ao próximo.
Na madrugada de segunda-feira (18), foram os gritos dela que alertaram e salvaram a vida de outras nove famílias, que só puderam ver a terra consumindo as casas em Guaramirim.
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Apesar de ter sido a responsável por descalça, no escuro e debaixo de chuva, salvar a vida de mais de 30 pessoas, ela dispensa o título de heroína.
“Eu não me acho uma heroína, eu só tentei… como eu queria sair viva, eu queria levar as pessoas junto comigo. Imagina se eu saio e deixo todo mundo aí, eu teria essa culpa para carregar. Sabia que não era uma desgraça pequena, que seria algo de grande escala”, salienta.
Com a casa no chão, soterrada pelo grande volume de terra que deslizou sobre as residências, Jaqueline lembra que essa não é uma cena inédita na vida da família.
Em 2008, a casa em que moravam ela, o companheiro e os dois filhos – hoje com 14 e 16 anos – foi completamente consumida pelas chamas após um curto circuito na rede elétrica externa, que se estendeu pela fiação até o imóvel.
“O incêndio nos tirou da casa às 4h. Parece que gostam de me tirar de casa de madrugada. No começo eu fiquei desesperada, sem chão, porque imagina você começar a morar de favor, com os filhos na casa da sogra. Mas nos reerguemos, refinanciamos o carro, pedimos ajuda e corremos atrás para reconstruir. Eu não imaginava que o raio cairia duas vezes no mesmo lugar. Parece que a Vila Freitas não me quer mais, não adianta”, lamenta.
Mas, foi graças à coragem da costureira de 36 anos que muitas vidas foram salvas durante a madrugada escura e chuvosa que permanece na memória dos moradores.
Ela conta que ouviu os estalos por volta das 3h30, viu a terra estourar a parede de trás da casa e, na sequência, todas as luzes se apagarem.
Jaqueline não pensou duas vezes e, depois de tirar os filhos e os cachorros de casa, saiu correndo, descalça, avisando os vizinhos.
“Gritei mesmo, gritei para o pessoal evacuar porque o negócio ia ficar feio. Pela situação que estava a minha casa, eu acreditava que iria destruir tudo”, conta.
A moradora lembra de uma das cenas que, para ela, não irá se apagar da memória: a casa da irmã, que ficava ao lado da dela, foi literalmente erguida pela terra.
“O barro levantou ela [a casa] e o nosso carro, parecia cena de filme, daqueles que têm um monstro saindo da terra, aí a casa caiu em cima dessa outra, de material, e tudo começou a rolar. Quando chegamos aqui na frente, começou a vir tudo, fio, madeira, cimento, tudo, uma loucura”, recorda.
“Eu só queria tirar todo mundo de lá”
Mesmo sabendo como é perder tudo o que construiu em minutos, ainda assim, Jaqueline afirma estar grata por ter conseguido salvar a família a auxiliado as demais. No entanto, dispensa qualquer exaltação.
Ela recorda que os bombeiros chegaram ao local minutos depois do deslizamento.
“Eles chegaram dizendo: Meu Deus, tem gente soterrada, por onde começamos a cavar? E eu disse que não tinha ninguém, que eu tinha sido a última a sair e garantia que todos os moradores estavam a salvo. Então, nos reunimos no bar e fizemos a lista [de moradores atingidos]”, diz.
O desespero e o medo não a tomaram. A única preocupação era salvar a vida dos vizinhos com quem convive há 18 anos.
“Não tinha como sentir medo naquela hora, eu só queria avisar todo mundo, tirar todo mundo. Só depois, quando eu vi que estava meio sem saída eu pensei: só o que falta eu morrer aqui. Eu tinha prometido para o meu filho que voltaria, mas Deus segurou tudo um pouco”, ressalta.
Agora, a lição que ela deseja que fique para todos é a de valorização da vida e da solidariedade, além da força para reconstruir as vidas.
“Acho que fica uma lição de que bens materiais não são importantes, que o importante é a vida, o ajudar o próximo”, ressalta a moradora, que quase perdeu o companheiro e os dois filhos no incêndio em 2008.
Jaqueline diz que foi por causa disso que não tentou pegar nenhum de seus bens de dentro de casa, “Por mais que doa, são bens materiais. Imagina se eu enterrasse os três, se estivéssemos essa semana com a igreja cheia de caixões.
Por isso eu digo que precisamos deixar isso aqui tudo para trás, isso é lixo. O que importa é que todos estão vivos”, finaliza.
Como os parentes de Jaqueline também tiveram as casas atingidas, ela e a família estão abrigados com amigos e farão o cadastramento para obter ajuda do governo para, futuramente, reconstruir tudo novamente.
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