10 anos da enchente que assolou Jaraguá do Sul e região – Parte 5 – “A lição”

Tragédia de 2008 deixou lições para o poder público e para a população | Foto Arquivo OCP News

Por: Elissandro Sutil

27/11/2018 - 05:11 - Atualizada em: 27/11/2018 - 09:20

O OCP encerra nesta terça-feira (27) a série de reportagens especiais que resgatam os 10 anos da enchente de 2008. Para ler a parte 1 clique aqui. Para ler a parte 2 clique aqui. Para ler a parte 3 clique aqui. Para ler a parte 4 clique aqui.

“Com certeza os jaraguaenses estão mais preparados, mas não estão mais seguros”. A afirmação do geólogo e hoje presidente da Fujama, Normando Zitta, é taxativa.

Para ele, Jaraguá do Sul está muito mais preparada para enfrentar uma possível enchente como a ocorrida há dez anos e que deixou marcas profundas na cidade, mas apesar disso, não há como cravar que os jaraguaenses estão mais seguros, uma vez que, como afirma o geólogo “o morro continua lá, o solo é o mesmo e é sensível”.

Dez anos se passaram desde que a chuva e os deslizamentos castigaram a cidade e levaram consigo as vidas que jamais serão esquecidas. Foram 13 mortes em Jaraguá do Sul e uma em Guaramirim, além das 1,5 mil pessoas desalojadas e das 15 famílias desabrigadas.

Nesta década, inúmeras ações foram realizadas com o propósito de não permitir que a tragédia de 2008 se repetisse. De lá para cá, Jaraguá do Sul voltou a sofrer com as fortes chuvas em pelo menos outros dois anos, 2011 e 2014, mas nada se compara aos dias de 2008, que ficaram gravados na memória.

Normando Zitta acredita que jaraguaenses estão mais preparados | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Normando Zitta acredita que jaraguaenses estão mais preparados | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Longe de Santa Catarina à época da tragédia, Normando Zitta foi chamado para ajudar a reconstruir a cidade e o pilar dessa reconstrução seria trabalhar para evitar que novos deslizamentos pudessem ceifar ainda mais vidas.

Assim, iniciou-se o trabalho de prevenção no município, atuando em diversas frentes, desde o mapeamento de riscos para áreas de encostas e morros, até a limpeza e o desassoreamento de rios, a fim de minimizar as cheias.

Apesar de todo o trabalho realizado, Zitta enfatiza que Jaraguá do Sul pode, inevitavelmente, ser atingida por novas tempestades e enchentes, mas o que ele destaca é o fato de o município trabalhar para estar preparado, diferente do que aconteceu há 10 anos, quando a cidade e a população foram pegos de surpresa, sem saber direito como agir.

Município mais preparado e estruturado

Entre as ações pensadas e implementadas a partir de 2009 com o objetivo de reconstruir e prevenir, o geólogo destaca: o mapeamento das áreas de risco, que começou a ser feito no final de 2009, o regras específicas para construção em áreas sensíveis ou de risco, o regramento para aterros em áreas de inundação, a drenagem pluvial, o desassoreamento e revitalização da mata ciliar e a nova lei de terraplenagem.

O mapeamento de risco, destaca o geólogo, foi realizado com uma metodologia bastante rígida que, à época, seguia os mesmos critérios do Ministério das Cidades. Esse mesmo mapeamento está sendo revisto atualmente, o que não significa, explica Zitta, que deve reduzir a abrangência.

“Hoje temos em torno de 20 áreas de risco mapeadas e esse número pode aumentar porque ainda não foi realizado em toda a área do município. Essas áreas estão sendo revistas, mas os locais que eram considerados de risco muito alto podem cair para risco médio. O risco mesmo é muito difícil de ser eliminado e a população tem que entender, que essa área de risco não significa que não pode fazer nada, pode, mas tem regras específicas para manter o local seguro”, salienta.

Assim como Zitta, o diretor da Defesa Civil do município, Hideraldo Colle, afirma que o que aconteceu há dez anos serviu de alerta. “Temos a certeza que precisamos estar mais preparados”, diz.

“Hoje, Jaraguá do Sul está melhor preparada para enfrentar as adversidades climáticas tanto em se tratando de estrutura quanto de organização”, complementa.

O desassoreamento dos rios da região é uma das medidas tomadas para evitar as cheias | Foto Arquivo OCP News

O desassoreamento dos rios da região é uma das medidas tomadas para evitar as cheias | Foto Arquivo OCP News

Órgão que ganhou força após a tragédia de 2008, a Defesa Civil ganhou investimento, autonomia e maior força após a criação da Secretaria de Reconstrução, em 2009, afirma Zitta.

“Antes a Defesa Civil era muito mais para resposta, depois, com um corpo técnico maior, focou-se em prevenção e a população acabou se voltando também para a prevenção”, avalia.

O trabalho em conjunto, destaca o comandante dos Bombeiros Voluntários, comandante Neilor Vincenzi, é um dos pontos fortes que faz com que Jaraguá do Sul esteja mais preparada hoje, uma década após a tragédia.

“Com certeza estamos mais preparados, embora ainda tenhamos muito a melhorar. A Defesa Civil está fazendo um ótimo trabalho de retirar pessoas de áreas de risco e nós acabamos compartilhando um pouco das situações que vivenciamos da parte de correção para evitar essas situações. Muitas ações foram feitas, obras para deixar a cidade mais segura”, analisa.

Obras minimizam possíveis riscos

Há cerca de um mês a paisagem da rua Francisco Winter, no bairro Jaraguá Esquerdo, mudou mais uma vez. As casas interditadas foram finalmente derrubadas e, no lugar, uma horta comunitária foi construída.

O motorista Valdinei Maihck, 35 anos, mostra, com o filho de quase dois anos no colo, o local no qual estavam construídas as casas. O terreno deslizou na enchente de 2008 e, desde então, as casas estavam fechadas, vindo abaixo no último mês.

“Na época, em 2008, eu só escutei o barulho. Foi uma correria danada. Em duas casas tivemos que ir retirando tudo o que tinha dentro, o que dava para tirar”, relembra.

Valdinei morava no local onde as casas foram interditadas e demolidas após a enchente | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Valdinei morava no local onde as casas foram interditadas e demolidas após a enchente | Foto Eduardo Montecino/OCP News

A interdição e a recente retirada das casas faz parte de um conjunto de ações que passaram a ser realizados em Jaraguá do Sul após a tragédia de uma década atrás.

Conforme cita Normando Zitta, inúmeros trabalhos técnicos de mapeamento e ações práticas de obras de contenção, por exemplo, foram colocados em prática visando a segurança e a prevenção de novos deslizamentos.

Para Cecilia Konell, prefeita que assumiu o mandato menos de dois meses após as enchentes e teve a missão de “reconstruir” Jaraguá do Sul, é fundamental que continue se pensando em ações permanentes.

“A grande maioria dos locais nos quais ocorreram os eventos não foram propriamente causados por enchente, mas sim por deslizamento de encostas. Com relação a prevenção deve haver uma atenção permanente com novas obras e investimentos em equipamentos de prevenção”, avalia.

Aumento no número de servidores, equipamentos e ferramentas, desassoreamento dos principais rios, obras de galerias, enrocamentos, limpeza de pilares de pontes e de rios, são algumas das ações destacadas por ele pelo secretário Hideraldo Colle.

“Além disso, foi intensificado o trabalho de fiscalização das construções irregulares nas encostas, para evitar a ocupação desordenada e, principalmente, as construções em áreas de risco”, complementa.

O trabalho de prevenção com o programa de recuperação da mata ciliar do Samae, analisa Colle, complementa o trabalho de prevenção de cheias e fomenta uma mudança no que diz respeito a educação ambiental.

Normando Zitta, por sua vez, destaca a implementação das 14 obras de contenção feitas no município de 2011 a 2015.

Colle também destaca a criação do Plano de Contingência, atualizado neste ano, que garante, em caso de necessidade, que todos os atendimentos sejam realizados de forma integrada, por diversos órgão e entidades parceiras da Defesa Civil.

Lições deixadas por 2008

Dez anos após a tragédia, muita coisa mudou. Ações foram implementadas, grupos voluntários se fortaleceram, mas há também coisas que jamais irão se alterar: a angústia de profissionais e voluntários que cobriram cada hora daqueles dias, e os familiares das vítimas jamais esquecerão cada momento de dor.

Para o presidente da Fujama, é fundamental que não se esqueça de tudo o que aconteceu em 2008 e que, por mais que os trabalhos sejam realizados e a prevenção seja prioridade, a memória esteja sempre atenta a tudo que a tragédia ensinou.

Limpeza frequente de rios é realizada com a intenção de minimizar efeitos das chuvas | Foto Arquivo OCP News

Limpeza frequente de rios é realizada com a intenção de minimizar efeitos das chuvas | Foto Arquivo OCP News

Normando Zitta destaca cinco lições deixadas por aquele ano e que precisam ser diariamente lembradas: a dureza da perda de vidas, tudo que se faz para a natureza, ela devolve; pequenas ações fazem grande diferença; é difícil prever o acontecimento de um problema geológico; e a força do voluntariado jaraguaens

“O ser humano tem a capacidade de se adaptar facilmente ao ambiente e esquecer aquilo que não acontece consigo mesmo. Que fique a lembrança e que trabalhemos em prol de ações que evitem novas perdas de vida”, finaliza.

Esta é a 5ª e última parte de uma série de reportagens que recontam e refletem sobre a tragédia que assolou Jaraguá do Sul e região em 2008.

 

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