10 anos da enchente que assolou Jaraguá do Sul e região – Parte 4 – “Os voluntários”

Rede de solidariedade foi formada para ajudar quem precisava | Foto Arquivo OCP News

Por: Elissandro Sutil

24/11/2018 - 05:11 - Atualizada em: 24/11/2018 - 06:48

O OCP continua neste sábado (24), a série de reportagens especiais que resgatam os 10 anos da enchente de 2008. Para ler a parte 1 clique aqui. Para ler a parte 2 clique aqui. Para ler a parte 3 clique aqui.

Jaraguá do Sul aprendeu muito sobre solidariedade em 2008. Voluntários trabalharam incansavelmente para atender 1,5 mil desabrigados e 15 famílias desalojadas, além de resgatar as vítimas, ajudar a limpar as casas tomadas por lama após a água baixar e até mesmo na reconstrução de algumas delas.

Da consternação, veio a força para apoiar quem perdia tudo, inclusive a família.
Os desastres daquele novembro foram um marco, também, pelas transformações positivas que ocorreram a partir de então.

Em Jaraguá do Sul, a compaixão foi o combustível para a mobilização e resposta imediata no atendimento aos atingidos, mas também nasceram grupos especializados e projetos para melhor estruturar os municípios. Uma década depois, as lições aprendidas são destacadas.

“Vi coisas que nunca tinha visto na minha vida”

Aos 16 anos, o então jogador de vôlei da Fundação de Esportes de Jaraguá do Sul, Gustavo Ari Ramthum, vivia, em 2008, sua primeira experiência em uma ação social.

Foto da época mostra Gustavo, com então 16 anos, atuando como voluntário | Foto Arquivo OCP News

Ele e outros atletas foram convidados a participar da grande corrente solidária formada na Arena Jaraguá para atender às vítimas desalojadas e desabrigadas da enchente.

Doações de diversos lugares do país chegavam a todo o momento e Gustavo atuou junto ao grupo que organizava peças de roupas que seriam oferecidas à população.

Para ele, aquela foi uma experiência muito marcante e que serviu para que compreendesse a força da união das pessoas em benefício de um bem maior. Gustavo conta que muitas roupas, alimentos e móveis foram doados.

Gustavo hoje com 26 anos | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Gustavo hoje com 26 anos | Foto Eduardo Montecino/OCP News

“Foi um período bem conturbado, bem difícil. Eu nunca tinha passado por uma situação dessas na cidade. Muita gente perdendo tudo. Vi coisas que nunca tinha visto na minha vida. Apesar da dor, foi ótima a sensação de poder ajudar”, ressalta.

Hoje, com 26 anos, Gustavo é formado em administração de empresas e não joga mais profissionalmente, mas a experiência de 2008 não foi esquecida. “Em outra enchente, alguns anos depois, eu também fui ajudar com donativos e fazer a minha parte”, revela.

“Nossa comunidade é de ouro e temos que preservar isso”

O ex-secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Márcio Manoel da Silveira, havia deixado o cargo há cerca de um mês quando o caos se instalou em Jaraguá do Sul naquele novembro de 2008.

No entanto, quando a esposa dele chegou em casa no domingo mais crítico das tragédias e contou que a Arena acumulava mantimentos e pessoas se aglomeravam no local, rapidamente, Silveira, que mora próximo, voluntariou-se para ajudar. “Está um caos lá em cima, ela disse”, lembra.

Muitas doações foram enviadas por quem tinha vontade de ajudar | Foto Arquivo OCP News

A decisão o tornou um dos coordenadores dos trabalhos na Arena. Ficava em contato direto com empresários da cidade e da região para arrecadar os mantimentos e organizar as doações, mobilizando quem pudesse ajudar.

“Um dia, o Guido Bretzke me ligou dizendo que um empresário de Curitiba tinha água engarrafada e queria doar, mas não tinha como transportar. Conseguimos com outro empresário esse transporte e organizamos a logística. A água não só chegou até aqui como também foi levada para Itajaí, pois diversos municípios estavam vivendo os mesmos problemas que a gente”, destaca.

Atuando hoje como diretor de Tecnologia da Informação na Prefeitura Municipal, Silveira, 54 anos, acredita que o maior legado de 2008 foi aprender a trabalhar numa situação de crise e o fortalecimento de alguns grupos logo depois, como Defesa Civil e equipes de resgate.

Marcio Silveira, diretor de Tecnologia da Informação | Foto Eduardo Montecino/OCP News

“A primeira lição é que a gente tem que se preparar para situações como essa. A segunda, é que a nossa comunidade responde prontamente quando a gente mostra para onde vão as doações. Nosso maior aprendizado é que a nossa comunidade é de ouro e isso a gente tem que preservar”, aponta, ressaltando que diversas entidades coordenaram as ações na Arena e estabeleceram parcerias importantes em prol da solidariedade.

“Hoje, se cobra que o município seja autossustentável”

Após os desastres daquele ano, alguns grupos e projetos se fortaleceram. Pelo Estado, houve mudanças políticas, sociais, ambientais e o investimento em um plano de prevenção a enchentes, alagamentos, deslizamentos e outros fenômenos.

Para o coordenador regional da Defesa Civil de Santa Catarina, Osvaldo Gonçalves, que já residia em Jaraguá do Sul em 2008 e ajudou nas buscas por possíveis sobreviventes no deslizamento que matou nove integrantes da mesma família e em outras ocorrências, o órgão está mais fortalecido e organizado.

Osvaldo Gonçalves ajudou nas buscas por sobreviventes | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Osvaldo Gonçalves ajudou nas buscas por sobreviventes | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Há dez anos, apenas dois servidores atuavam na Defesa Civil no município – ele trabalhava em São Bento do Sul – e não havia sequer um estudo apontando as áreas de risco e quais os desastres mais frequentes na região. Aliás, Santa Catarina também não havia sido mapeada.

“Santa Catarina está pontuada como o estado com mais ocorrências de desastres em nível nacional e até sul-americano. Em 2008, nós tínhamos uma equipe, uma força-tarefa para resgates. Trabalhei no Morro do Baú [em Ilhota] por quatro dias e, ao ser dispensado, voltei para casa, em Jaraguá do Sul. Quando houve o desastre no Rio Molha, fomos numa equipe de oito pessoas para apoiar os bombeiros voluntários”, recorda.

Com o auxílio de cães farejadores, o grupo empreendeu buscas por possíveis sobreviventes, um trabalho extremamente exaustivo e que ficava ainda mais difícil a cada vida perdida contabilizada. “Nós sempre temos a esperança de encontrar alguém com vida em escombros e ali não era diferente”, lamenta.

Gonçalves explica que a Coordenadoria Regional da Defesa Civil de Jaraguá do Sul foi criada em 2016 e atende sete municípios, pois está dividida por bacia hidrográfica (do rio Itapocu). Abrange também Corupá, Guaramirim, Schroeder, Massaranduba, São João do Itaperiú e Barra Velha.

No estado, o órgão vem cobrando dos prefeitos a formação de um quadro técnico, com profissionais contratados por meio de concurso público para perpetuar o trabalho e dar andamento ao projeto de prevenção de desastres e gerenciamento de crises. Atualmente, o cargo de diretor da Defesa Civil, na maioria dos municípios, é político.

“Os órgãos perceberam que não estavam preparados”

O Gerar (Grupo Especialista em Resgate de Alto Risco) começou sua atuação em 2008, devido à sucessão de eventos trágicos ocorridas em novembro.

Na época, segundo o presidente da entidade, Odirlei Siewerdt, alguns bombeiros que atuavam em Jaraguá do Sul e que ajudaram nos resgates perceberam que não estavam bem preparados para este tipo de catástrofe.

Então, decidiram montar um grupo que tivesse mais treinamentos específicos para essas ocorrências que não são corriqueiras. Em 2009, foi feita uma parceria com a Defesa Civil local e o Gerar ficou mais conhecido, auxiliando em outras enchentes posteriormente e tornando-se “de utilidade pública”.

Grupo Especialista em Resgate de Alto Risco surgiu em 2008 | Foto Arquivo OCP News

Grupo Especialista em Resgate de Alto Risco surgiu em 2008 | Foto Arquivo OCP News

Com os treinamentos, o grupo passou a ser acionado não só em Jaraguá do Sul, mas em outros municípios e até mesmo internacionalmente.

“Todos os órgãos que estão ligados a isso [resposta a crises], sejam públicos ou não, tiveram a consciência de que não estavam preparados quando ocorreram aqueles desastres. Todos se uniram, inclusive os grupos mais voltados aos esportes, para criar esse grupo de resposta”, destaca.

Hoje, o Gerar possui 13 integrantes voluntários, três deles somente na parte administrativa e, os demais, na operacional. No fim deste ano, se formam mais 13 membros que estão sendo capacitados através de curso realizado em dois anos.

Odirlei Siewerdt é o presidente da entidade | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Odirlei Siewerdt é o presidente da entidade | Foto Eduardo Montecino/OCP News

O grupo só atua quando acionado por entidades como Bombeiros e Defesa Civil. Os voluntários são treinados constantemente para ações aquáticas, em deslizamento em massa, busca em matas e primeiros socorros.

“Esses voluntários são realmente guerreiros, pois os treinamentos duram de seis a oito horas no fim de semana. Eles deixam sua família para participar, gastam o combustível deles porque o grupo não tem condições de bancar”, declara.

Esta é a 4ª parte de uma série de cinco reportagens que recontam e refletem sobre a tragédia que assolou Jaraguá do Sul e região em 2008.

 

Leia a 1ª parte clicando aqui.

 

Leia a 2ª parte clicando aqui.

 

Leia a 3ª parte clicando aqui.

 

A quinta parte do especial será publicada na terça-feira (27). Não perca!

 

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