Inclusão escolar ainda enfrenta muitas barreiras de acessibilidade na região

Por: Elissandro Sutil

29/09/2017 - 10:09 - Atualizada em: 30/09/2017 - 11:38

Prevendo mudanças em diversas áreas, como a da educação, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), que entrou em vigor em janeiro de 2016, representa um avanço na inclusão de pessoas com deficiência. No entanto, esse processo ainda esbarra em aspectos como falta de conhecimento, de investimentos para criação de um ambiente escolar adequado e pouca fiscalização para que a lei seja cumprida. Na prática, a inclusão ainda não é realidade em boa parte das instituições de ensino.

E foram justamente as dificuldades que levaram um grupo de alunos do curso técnico em química do câmpus de Jaraguá do Sul do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) a realizar uma pesquisa na área. Os estudantes desenvolveram estudo que mostra a falta de conhecimento de parte dos gestores sobre tecnologias assistivas e legislação específica. O trabalho foi orientado pela professora Veridiane Pinto Ribeiro, com a coordenação de Júlio Eduardo Bortolini.

Dentro do assunto Sociedade e Meio Ambiente, o grupo optou por um tema que mostrasse a fragilidade da acessibilidade, com o objetivo de ampliar a visão em relação ao assunto. Os alunos Aline Cristina Pellis, 17 anos; Arthur Delmiro Lourenço, 16; Carolina Helena Krieser, 16; Gabrielle Silvatti, 16; Gabrielli Bilck, 16; e Nayane Cristina Deucher, 16; optaram por viabilizar a pesquisa em Guaramirim. Foram entrevistados os gestores de seis escolas (centrais e de bairros), entre municipais e estaduais, além dos professores.

Ver na prática as limitações mudou a concepção dos seis estudantes responsáveis pelo estudo que trouxe um amplo diagnóstico sobre a estrutura das escolas de Guaramirim  | Foto Eduardo Montecino/OCP

As dificuldades no acesso ao interior da escola, em passar pelas portas, se locomover em sala de aula, banheiros, vagas para automóveis e outros aspectos relacionados à inclusão e acessibilidade foram levados em conta. “Ao contrário do que muitos pensam, acessibilidade não é só uma rampa para cadeirantes. Existem muitos critérios, que envolvem portas, inclinação correta das rampas, classes adaptadas e tudo aquilo que permita a autonomia do aluno. A ABNT possui várias normas referentes a isso e que não envolvem somente o cadeirante”, explica Nayane.

Em uma das escolas visitadas, uma aluna tinha deficiências físicas e motoras, por isso a unidade teve que adaptar o banheiro de forma que fosse possível trocar suas fraldas. “Novas demandas vão surgindo e é necessário que a escola esteja preparada”, complementa Carolina.

A secretária municipal de Educação de Guaramirim, Marja Prusse Rebelato, afirma que as escolas vêm passando por um processo de adaptação. “Grande parte delas possui estrutura bem antiga. As novas estão sendo construídas dentro das normas e as reformas também estão projetadas para atendê-las. Mas não deixamos de atender nenhuma criança com deficiência. Hoje, aproximadamente 120 estão nas nossas unidades escolares”, destaca. A rede municipal de Guaramirim tem 17 escolas de ensino fundamental e oito centros de educação infantil.

Mudanças costumam chegar depois dos alunos

O acesso às instituições de ensino pesquisadas nem sempre foi facilitado, pois alguns gestores estavam relutantes justamente por causa das adequações necessárias e inexistentes. “A maioria das escolas deixou a pesquisa acontecer. Mas, teve caso em que nos foi dito que o estudo não seria aceito porque a escola é pequena e não haveria chance de algum aluno com deficiência ser encaminhado àquele espaço”, conta Gabrielle. De certa forma, o grupo acredita que isso marcou toda a execução do projeto, já que nas entrevistas ficou claro que a maioria dos gestores não espera atender a essa demanda. Os pesquisadores notaram que não há preparação para esse acolhimento.

Mesmo as coisas mais básicas da acessibilidade, segundo os estudantes do IFSC, não vinham sendo preparadas com antecedência. E o fato de não haver um ambiente minimamente estruturado já inviabiliza a chegada do aluno. A maioria dos gestores destacou que a verba disponibilizada às escolas é utilizada para outros fins e necessidades das instituições. Em contrapartida, a escola considerada mais acessível pela pesquisa buscou meios para se estruturar de forma mais adequada.

“A própria gestora foi atrás de um edital que previa investimento na acessibilidade. Foi feito um projeto para que a escola fosse contemplada com a verba e hoje a instituição é a que mais possui deficientes físicos das que visitamos em Guaramirim”, revela Arthur.

A professora aponta que o panorama verificado na pesquisa sugere uma ausência do poder público. Isso porque a Lei da Acessibilidade determina que esses espaços precisam estar adaptados. “Não é aguardar que chegue alguém com deficiência para que as mudanças sejam feitas. A legislação prevê que as escolas estejam adequadas para recebê-las. Então, percebe-se uma ausência do Ministério Público, uma ausência do Estado, uma ausência da própria gestão, de estar comprometida com as questões da acessibilidade”, ressalta.

A falta de fiscalização se reflete na postura de uma das escolas estudadas. Ao ser questionada sobre a vaga de estacionamento destinada para deficientes, a unidade afirmou que havia uma prioritária, embora não estivesse identificada. Entretanto, somente ao retornar à instituição, alguns dias depois, para nova entrevista, é que o grupo visualizou a vaga sinalizada corretamente. “De certa forma, foi gratificante que aquela escola tenha disponibilizado essa vaga porque estava sendo questionada por nós. Já foi uma mudança positiva”, considera Aline.

A gerente regional de Educação Cristiana Poltroniere Ziehlsdorff destaca que a rede estadual, em Guaramirim, atende 40 alunos que possuem laudos de alguma deficiência diagnosticada. Desses, 39 contam com o apoio do segundo professor e um conta com professor bilíngue. “Trabalhamos todos os dias para que a inclusão aconteça em todos os sentidos, inclusive para que o aluno se sinta socializado. Além disso, há capacitação frequente de nossos professores”, declara. Guaramirim possui cinco escolas estaduais.

Desconhecimento sobre as tecnologias assistivas é realidade

Durante o estudo, não foi somente a estrutura arquitetônica que foi observada pelo grupo do IFSC, as tecnologias assistivas também. Esse termo é utilizado para identificar todos os recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, promovendo independência e inclusão. Ao tocarem no tema, os pesquisadores notaram um desconforto parte de alguns gestores das escolas, cuja tendência era alterar o foco da conversa para não responder às questões.

“Notamos o desconhecimento da amplitude de questões que envolvem a acessibilidade. Hoje, temos tecnologias desenvolvidas para que o aluno com deficiência possa ter autonomia e ele tem direito a elas”, enfatizam. “A ABNT dispõe de um manual básico de acessibilidade que deveria ser adotado pelas unidades escolares. Portanto, não há motivo para essa falta de conhecimento dos diretores das escolas”, complementam.

A importância do projeto, para o grupo, foi especialmente o crescimento como pessoas. “Não é todo mundo que olha para um lugar e pensa no próximo. Nosso trabalho deu visibilidade à questão da acessibilidade nas escolas, mas também nos deu outra visão. Hoje, ao olhar para uma calçada na rua, é impossível não pensar no fato dela facilitar ou dificultar o acesso para um cadeirante, por exemplo. Não foi só um acréscimo científico, que é o objetivo do projeto, mudou a nossa empatia, nossa visão do que cada um precisa e tem direito”, garante Arthur.

Evento busca reflexão a respeito da educação inclusiva

A segunda edição do Encontro de Educação Inclusiva, promovido pelo IFSC Jaraguá do Sul (Campus Central), reacende o debate acerca do tema, de extrema importância para a sociedade e que encontra muitas barreiras para ser colocado em prática. Coordenado pelo Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne), em parceria com a Coordenação de Extensão e Relações Externas, o evento acontece hoje e oferece capacitação a docentes da região.

Coordenadora do Napne e da equipe que organiza o encontro, a professora Veridiane Pinto Ribeiro diz que esta é a oportunidade para discutir, refletir e disseminar conhecimento a respeito das questões que envolvem a inclusão das pessoas com deficiência, principalmente no espaço escolar. Segundo destaca, apesar de o país contar com mais de duas décadas de legislação e algumas leis recentes, garantindo o direito à inclusão, é notório que ainda existe muito a ser feito. “Ainda é necessário que uma instituição como a nossa, que é pública e federal, tenha esse compromisso com a comunidade interna e externa, de trabalhar as questões da inclusão, porque somos uma escola para todos”, ressalta.

ENTREVISTA

“Essa mudança só é possível quando a sociedade
permitir que eles estejam entre e junto de nós.”

Palestrante do Encontro de Educação Inclusiva, a coordenadora técnica da Apae, Simone Orthmann, graduada em terapia ocupacional pela Associação Catarinense de Ensino, com especialização em neurologia, respondeu a algumas questões sobre o tema.

Quais os principais desafios para promover a educação inclusiva?

Barreiras arquitetônicas, atitudinais, falta de conhecimento dos diversos tipos de deficiência, preconceito.

Existem diversos tipos de deficiência. Diante disso, como a escola deveria se preparar para atender essa demanda? É possível antecipar essas necessidades?

Existe a deficiência física, a intelectual e a sensorial (visual ou auditiva). Pode haver associação de uma ou mais deficiências, caracterizando em deficiência múltipla. Já em 1961 estava previsto o atendimento às pessoas com deficiência na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Então, esse assunto não é algo novo. Foi sendo ajustado ao longo do caminho, levando em consideração programas e modelos de países desenvolvidos. Além das adequações arquitetônicas, os currículos deveriam ter sido planejados e preparados, como também os profissionais, na sua formação.

A lei brasileira é considerada muito avançada no que diz respeito à inclusão e acessibilidade, mas, na prática, ela é respeitada?

Depende. Não existe uma clareza quanto ao financiamento das implantações necessárias, das adequações e também depende das pessoas, tanto na execução do que diz a lei, quanto de sua fiscalização.

Muitas pessoas ainda enxergam o aluno com deficiência como alguém que não vai acompanhar a turma e estará “atrapalhando” o desenvolvimento dos demais. Como mudar essa mentalidade?

A pessoa com deficiência intelectual certamente apresentará dificuldades em acompanhar o conteúdo acadêmico, uma vez que suas funções mentais superiores encontram-se deficitárias, porém, isso não significa que ela não consiga aprender (e até mesmo ensinar – ensinamentos de vida). Essa mudança só é possível acontecer quando a família, a sociedade permitir que eles estejam entre e junto de nós, para que saibamos das suas necessidades e potencialidades.

Exemplo de inclusão, meta da escola é ajudar Juan a andar sozinho

O aluno Juan Gabriel Magalhães Fernandes, de oito anos, é exemplo dos benefícios que a escola inclusiva pode oferecer ao aluno com deficiência. Estudante do terceiro ano do ensino fundamental da Escola Cristina Marcatto, em Jaraguá do Sul, ele é acompanhado pelo professor estagiário Éverton Weber. Esse apoio se faz necessário em todos os espaços da instituição, até mesmo no banheiro. “A escola permite esse acesso porque está estruturada de maneira que o aluno possa se locomover, com rampas, banheiro adaptado, inclusive com espaço para aqueles que utilizam fraldas”, revela.

Estimulado pelos colegas e professores, o aluno Ruan conseguiu desenvolver todos os seus potenciais | Foto Eduardo Montecino/OCP

Atualmente, a unidade tem 20 alunos com necessidades especiais. O professor desenvolve um trabalho junto a Ruan desde fevereiro deste ano. A classe e a cadeira utilizadas por ele são adaptadas para favorecerem sua coluna e para que não escorregue. “Quando cheguei à escola, ele não copiava, não escrevia. Outros estagiários já haviam tentado, mas não houve adaptação. Passei a estimulá-lo constantemente e a promover exercícios orientados pela fisioterapeuta, estimulando a coordenação motora. Hoje, ele consegue andar com apoio, já movimenta uma das mãos que antes ficava sempre fechada. Há um incentivo de toda a escola para que ele realmente se desenvolva”, diz Éverton. A meta, segundo ele, é que o aluno esteja andando sozinho até o fim do ano.

Nascido prematuro, aos seis meses, Ruan teve paralisia infantil. O último laudo médico apontou uma sequela cerebral, que pode ser melhorada com tratamento e terapias. “A minha escola é muito boa e eu tenho uma boa relação social. Eu consigo andar por toda a escola na cadeira de rodas ou no andador”, afirma Juan.

 

A respeito das questões que envolvem a promoção de inclusão escolar e acessibilidade em Jaraguá do Sul, o secretário municipal de Educação, Rogério Jung, ele próprio cadeirante, enfatiza que vem trabalhando para que essa seja a realidade de todas as escolas municipais locais. “Em primeiro lugar, essa é uma causa com a qual me identifico, por ser cadeirante. Mas, independentemente disso, nós assinamos um TAC que prevê um prazo para que todos os prédios públicos estejam adaptados, pois alguns ainda não cumprem todas as normas. Além disso, temos um trabalho diferenciado para atender os alunos com necessidades especiais”, destaca.