“Rótulos”

Foto divulgação | Pixabay

Por: Francisco Hertel Maiochi

16/06/2020 - 16:06

Quando digo que um objeto é uma xícara, eu estou fazendo pelo menos duas coisas. Uma delas é reduzir esse objeto, que é complexo e tem muitas características a algo mais simples. Ignoramos material, tamanho, peso, história, formato.

Estou dizendo que tanto faz tudo isso desde que eu possa usar esse objeto como se usa uma xícara, reduzindo algo para uma função em relação a mim mesmo estou estabelecendo expectativas em relação a esse objeto.

Posso tomar um chá com essa xícara, algo que não poderia com um garfo. Sei que independente do material específico, da forma específica, da cor ou densidade, esse objeto pode conter líquidos e é confortável o suficiente para que se possa beber dele.

É importante lembrar que mesmo depois dessa redução, ainda há muito mais naquele objeto do que este simples rótulo. Essa xícara ainda pode receber diversos outros adjetivos. É de vidro? Cerâmica? Bonita, agradável, rachada, reparada, estampada, lisa, velha, desbotada, colorida, pesada, leve, isolante? Um rótulo demonstra algo importante sobre algo em um contexto, mas não faz com que a complexidade desapareça, embora possa parecer para mim que sim.

Quando falamos de pessoas temos questões como essas, mas ainda mais complexas. Não somos objetos, somos seres que reagem e interagem entre si com atos e com palavras. Somos retroalimentados, o que dizemos e o que dizem sobre nós provoca efeito, e pode mudar quem somos e como vamos falar e agir no futuro. Ainda assim, rótulos são virtualmente indispensáveis.

Existem rótulos em diversos contextos, mas no contexto do meu trabalho o que mais usamos são palavras como hetero, gay, homossexual, assexual, bi, queer, trans. Quando usamos esses rótulos estamos criando categorias que reduzem pessoas para um certo aspecto das suas vidas.

Obviamente não é uma redução perfeita, afinal seres humanos não cabem bem nas definições de função de um objeto em relação a mim mesmo. Uma pessoa heterossexual não é só isso, a vida dela não gira em torno desse aspecto. E pode ser que heterossexual não seja uma palavra que defina perfeitamente como o seu desejo funciona (afinal, pode gostar de pessoas do sexo oposto, mas nem todas, preferir isso ou aquilo, ou gostar só de certos atos). Mas embora não caibam bem, cabem.

Raramente “só” encontramos pessoas, assim, sem nenhum interesse além de encontrar. É mais comum que tenhamos algum desejo ou interesse em relação a essa pessoa. Pode ser algo trivial, como querer uma informação de onde é o banheiro no restaurante ou onde fica o ponto de ônibus mais próximo, quanto coisas mais complexas: será que a pessoa quer ter filhos, quer ter relacionamentos não monogâmicos, deseja pessoas com o corpo como o meu?

Procuramos sim pessoas enquanto objetos dos nossos desejos. Queremos alguém que desejamos, queremos alguém que nos deseje, e ao avistar alguém, queremos saber se a concretização de um desejo é possível ou não.

Rótulos como gay, hetero, bi, trans, queer, poliamoroso, swinger, entre tantos outros, servem para informar ao nosso desejo as possibilidades. Não quer dizer que as pessoas sejam só isso, ou perfeitamente isso. Mas é o suficiente para comunicar uma base para decisões, um básico que queremos saber antes de criar alguma expectativa. Sabendo que tal pessoa tem tal rótulo, e eu tenho esses meus, temos o mínimo em comum para perseguir nossos desejos?

Francisco Hertel Maiochi – Espaço Ciclos

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