“Uma boa brincadeira que transcende gerações”

Por: Emílio Da Silva Neto

10/06/2019 - 11:06 - Atualizada em: 28/09/2019 - 11:54

Em uma de suas edições, a Revista Superinteressante trouxe uma interessante matéria sobre o grupo de entretenimento fundado por Mauricio de Sousa e os preparativos para a sucessão do ‘oitentão’ (nascido em 1935).

Grandes ensinamentos a administradores, empreendedores, apaixonados por estórias em quadrinhos e estudiosos do tema ‘sucessão empresarial familiar’, pois Mauricio de Sousa parece ter, mesmo, criado um plano realmente infalível para dar continuidade a um dos maiores ‘impérios de quadrinhos’ do mundo, ou seja, está bem preparando a ‘Turma da Mônica’ para continuar crescendo sem ele.

O veterano desenhista ainda vai trabalhar todos os dias no estúdio, compartilhando espaços e energia entre entre seus quase dez filhos e mais de 400 personagens.

Indubitavelmente, hoje, a ‘Turma da Mônica’ é uma espécie de patrimônio nacional, já que nos 60 anos, desde a fundação da Mauricio de Sousa Produções, seus produtos ajudaram a alfabetizar algumas gerações de brasileiros e ergueram um império que vendeu mais de 1 bilhão de gibis.

Tal como o livro, que não se curvou às tecnologias, desde o limiar da escrita, os quadrinhos dele vêm transcendendo gerações e gerações, muito embora o mundo tenha mudado muito, desde que Mauricio publicou sua primeira tirinha de jornal.

A quantidade de pessoas que, ainda, compram jornais e revistas impressos diminui exponencialmente e as crianças, principal público das estórias em quadrinhos, já nascem, hoje, com tablets nas mãos e parecem cada vez mais distantes dos gibis.

Todo o império foi construído a partir e por meio de uma só pessoa, o próprio Mauricio de Sousa, que, sozinho, criou a ‘turminha’, mesclando lembranças da sua infância na casa paterna e de seus próprios filhos.

Tudo começou, quando “Mauricinho” tinha 11 anos e morava em Mogi das Cruzes, SP. O garoto, que aprendeu a ler com gibis, perguntou ao pai se dava para viver só de fazer desenhos. Seu Antonio de Sousa, que, também, era artista – poeta, repentista, músico – tentou carreira em todas essas áreas, mas nada deu certo e, para sustentar a família, acabou fundando um barbearia. Mas, homem de muita visão, quando soube que o filho queria seguir a carreira artística, lhe deu um conselho duro, aprendido ‘na própria carne’: “estude, desenhe … mas sempre administre o seu negócio”.

Aos 14 anos, Maurício começou ilustrando informes publicitários e, logo lhe veio um grande insight: trabalhar em jornais poderia ser seu futuro, pois as propagandas com que trabalhava eram esporádicas, enquanto que jornais diários exigiam desenhos variados (charges) a cada edição, oportunidade ideal para quem queria viver daquilo.

Com isso em mente, e com apenas 19 anos, pegou seus desenhos e foi até a Folha da Manhã, hoje Folha de S. Paulo, onde recebeu uma ‘ducha fria’ do diretor de arte do jornal: “desista”.

Desolado, quase aos prantos, Mauricio, ainda nos corredores da Folha, teve a sorte de chamar a atenção de um repórter, Mário Cartaxo, que quis saber o que tinha acontecido.

A partir deste encontro, numa salinha na Folha de São Paulo, e com a publicação das suas primeiras tirinhas, depois, gibis inteiros, tudo passou a andar, segundo seus sonhos, metas, planos e estratégias.

Considerando, contudo, o inexorável limite biológico, o futuro, agora, depende da Mauricio de Sousa Produções (MSP). E esta percepção vem de longe, desde quando sentiu, lá atrás, que não daria conta de tudo sozinho e começou a contratar auxiliares para fazer as etapas mais braçais do trabalho, como a finalização.

E ele bem lembra como isto foi difícil: “naquela época, como não havia mão de obra especializada, eu tinha que contratar e praticamente ‘segurar na mão’ para explicar o estilo e o traço que queria”.

Mesmo com o sucesso todo, Mauricio nunca esqueceu outro conselho do pai: “um personagem não pode aparecer com uma lata de extrato de tomate na mão, ou com outro produto qualquer. Ele pode aparecer na embalagem de qualquer licenciado, mas nem ali ele poderá estar usando produtos, pois seria algo subliminar ou abusivo”

À medida que a ‘Turma da Mônica’ e seu universo cresceram, Mauricio foi obrigado a delegar cada vez mais funções e, hoje, quase não havendo mais concorrência (a ‘turminha’ ocupa cerca de 80% do mercado nacional de quadrinhos), ele continua sendo um presidente ativo, mas divide funções essenciais dentro da MSP, aliás … muito mais do que gostaria.

O desenhista não gosta de ser chamado de centralizador (“isso aí é palavrão !!!”), mas admite que é ‘ciumento’. Mesmo tendo pessoas contratadas para checar e aprovar as historinhas, ele ainda olha, tudo o que consegue. Ciúmes à parte, hoje Mauricio está passando seu legado.

O primeiro pilar dessa nova MSP é a própria Mônica, a de carne e osso, sua filha, responsável, principalmente, pela comunicação com o público e a internacionalização da marca (a ‘turminha’ já foi traduzida para cerca de cem idiomas).

Como toda empresa familiar, a transição intergeracional tem seu sucesso, também, atrelado à ‘reinvenção’ do negócio. Das tirinhas impressas a filminhos no youtube, palestras em escolas, exposições de arte, shows, peças teatrais, graphic novels e parques temáticos, entre outras ‘adaptações’ aos novos tempos.

Os ‘olhos atentos’ do Mauricio, mesmo dando grande liberdade à equipe, ainda fazem com que quase tudo passe pelo seu crivo. Além disso, pergunta a seus principais executivos se “eles prometem continuar cuidando bem dos seus ‘filhos’ como se fossem seus”.

Depois de tudo isso, vem a pergunta: o que torna a MSP tão pujante, ainda ? Pode-se aproveitar uma resposta do proprio Maurício, dita em outro contexto, mas que vale para a continuidade de uma empresa familiar: “temos que respeitar o que está sendo entendido como hábito ou costume de um tempo. E, para isso, devemos entender quem nos acompanha há muitos anos, desde nossos filhos e netos, como nossos clientes, seus filhos e netos e, daqui a pouco, todos os bisnetos.”

Assim, a sede da MSP está espalhada de gibis, mangás, graphic novels, livros, desenhos animados, parques, games, aplicativos, filmes, peças de teatro, esquetes no youtube, memes na internet e alguns milhares de produtos licenciados (inclusive as clássicas maçãs e latas de extrato de tomate).

E o que o Mauricio pensa de tudo isso? “Acho que os meus sucessores vão ter uma boa brincadeira para conduzir nas próximas centenas de anos … rsrs …”.