Em empresas familiares, a sucessão societária costuma ser um dos momentos mais delicados do ciclo empresarial. Apenas uma parcela das empresas brasileiras consegue sobreviver à terceira geração, e o fator mais crítico é a ausência de planejamento sucessório claro. Nesse contexto, ganham relevância as chamadas restrições contratuais à sucessão societária, instrumentos capazes de evitar conflitos e preservar a governança corporativa após a morte de um sócio ou acionista.
Essas restrições funcionam como regras pré-estabelecidas em contratos sociais, estatutos ou acordos de sócios, determinando em que condições os herdeiros poderão ingressar no quadro societário. Em vez de permitir a transferência automática das quotas ou ações para sucessores, o contrato pode prever, por exemplo, a necessidade de aprovação dos demais sócios, requisitos técnicos mínimos para participação ou a obrigação de venda da participação aos sócios remanescentes mediante pagamento de haveres. Assim, a empresa não fica vulnerável a rupturas abruptas ou à entrada de pessoas sem vínculo ou afinidade com a gestão.
A inspiração para essas restrições vem do direito comparado. Em países como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, é comum a existência de cláusulas de “buy-sell” ou direitos de preferência que limitam a entrada de terceiros no capital social. No Brasil, a figura vem sendo adotada de forma mais expressiva nas últimas décadas, acompanhando a profissionalização das empresas familiares e a expansão dos acordos de acionistas. Apesar de não haver uma nomenclatura única na legislação, a prática é legítima desde que respeite os princípios do Código Civil e da Lei das S.A., especialmente o direito de herança e a livre circulação de quotas ou ações.
O principal benefício é prevenir litígios. Sem regras claras, o falecimento de um sócio pode gerar disputas judiciais prolongadas, comprometer a imagem da empresa e afastar investidores. Com um contrato bem estruturado, é possível estabelecer parâmetros objetivos para indenização dos herdeiros, critérios de avaliação das quotas ou ações e mecanismos de solução de conflitos. Essa previsibilidade fortalece a confiança entre os sócios e contribui para a estabilidade de longo prazo.
Além disso, as restrições contratuais à sucessão societária estimulam o diálogo antecipado entre sócios e herdeiros. Discutir regras de entrada, saída e remuneração evita ressentimentos futuros e favorece a profissionalização da gestão. Em muitos casos, a adoção dessas cláusulas vem acompanhada da criação de conselhos consultivos, protocolos familiares e políticas de governança que delineiam o papel de cada membro da família no negócio.
É importante ressaltar, porém, que a validade dessas restrições depende de cuidados e observância às normas legais. O contrato deve equilibrar o interesse de continuidade da empresa com o direito legítimo dos herdeiros à herança. Redações imprecisas ou abusivas podem ser questionadas judicialmente.
Em um cenário econômico de alta competitividade, preservar a sociedade contra conflitos hereditários não é apenas precaução: é estratégia. As restrições contratuais à sucessão societária representam um dos instrumentos mais eficazes para assegurar a perenidade dos negócios, proteger o patrimônio construído ao longo de gerações e garantir que a empresa permaneça alinhada aos seus valores e objetivos, independentemente das mudanças familiares inevitáveis ao longo do tempo.
Dra. Fernanda Fachini
OAB: OAB/SC 20.229
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