O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da ADPF 1058 e fixou um novo marco interpretativo sobre a natureza jurídica do recreio e dos intervalos entre aulas na jornada dos professores. A Corte reconheceu que, como regra geral, esses períodos integram o tempo de trabalho, acompanhando entendimento já consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho. No entanto, o Supremo inovou ao estabelecer exceções, admitindo que tais intervalos não serão considerados tempo à disposição quando utilizados exclusivamente para atividades pessoais do docente, cabendo ao empregador comprovar essa condição.
A decisão tem efeito vinculante e repercussão geral, afetando instituições privadas e processos trabalhistas em curso em todo o país.
Pela orientação majoritária, o recreio e a pausa entre uma aula e outra compõem a dinâmica pedagógica e, portanto, são considerados tempo de serviço. O professor, mesmo fora da sala de aula, permanece envolvido em atividades institucionais, como atendimento de alunos, orientações rápidas, supervisão de circulação e disponibilidade para eventualidades.
Contudo, o Supremo afastou a presunção absoluta adotada até então. Ficou definido que:
- O recreio integra a jornada, salvo quando comprovadamente destinado pelo professor a atos estritamente pessoais;
- Compete à instituição de ensino demonstrar, em uma disputa judicial, que naquele intervalo o docente não estava à disposição;
- A análise passa a ser casuística, e não automática.
Essa flexibilização foi proposta pelo relator, ministro Gilmar Mendes, argumentando que a presunção anterior favorecia apenas um lado da relação trabalhista. A divergência ficou por conta do ministro Edson Fachin, para quem o recreio sempre deveria ser computado como tempo de trabalho, por não se tratar de um período de descanso efetivo.
Novos parâmetros e desafios
Por sugestão do ministro Cristiano Zanin, a Corte fixou que os efeitos são prospectivos (ex nunc), evitando devolução de valores já pagos por decisões anteriores.
A decisão traz dois grandes impactos:
Para os professores:
- Consolida o direito ao reconhecimento do recreio como parte da jornada;
- Reforça a valorização da hora-aula real, conforme defendido por entidades como o SINPES;
- Pode aumentar litígios, já que muitos casos dependerão de prova específica para definir se o professor estava à disposição ou não.
Para as instituições de ensino:
- Representa uma “vitória parcial”, pois abre espaço para descaracterizar o tempo de serviço em situações concretas;
- Exige reorganização administrativa, com maior controle sobre a rotina docente, registros e supervisão dos intervalos;
- Aumenta o risco de judicialização caso a instituição não consiga comprovar uso pessoal do intervalo.
O DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) apontou que a decisão gera insegurança jurídica, pois a flexibilização deixa a definição sujeita à prova de cada caso, o que pode elevar o número de ações trabalhistas.
O julgamento provocou repercussões diversas:
- Sindicatos de professores elogiaram a confirmação da regra geral, destacando que o recreio nunca foi um período de descanso, mas parte essencial da função docente.
- Mantenedoras privadas ressaltaram que a análise caso a caso restabelece equilíbrio na relação trabalhista e permite reconhecer situações em que o professor realmente está desligado de suas funções.
- Especialistas em Direito do Trabalho chamam atenção para o aumento de demandas probatórias e para a necessidade de políticas internas claras nas escolas.
A pluralidade de efeitos demonstra que a decisão do STF, embora resolva um impasse jurídico histórico, inaugura um novo campo de debates sobre gestão escolar e proteção do trabalho docente.
A decisão do STF sobre a natureza jurídica do recreio e dos intervalos dos professores estabelece um marco relevante no Direito do Trabalho aplicado à educação. Ao mesmo tempo em que reconhece, de forma acertada, a complexidade do labor docente, também cria um espaço de flexibilização que pode modificar rotinas escolares e gerar novos litígios.
Para as instituições, o desafio é adequar práticas e provas; para os professores, o objetivo passa a ser garantir o reconhecimento de sua disponibilidade institucional. O tema, portanto, permanece vivo, não mais em debate conceitual, mas na análise concreta de cada relação laboral.