No 120º ano da independência do Brasil, no 58º ano da proclamação da república, mais precisamente em 03 de outubro de 1941, quando a nossa capital ainda era o Rio de Janeiro e a moeda corrente era o Réis, foi publicado no Diário Oficial da União a Lei das Contravenções Penais, assinada por Getúlio Vargas.
Essa Lei, ainda em vigência, em seu artigo 58, diz que é contravenção “Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração”.
Em 10 de abril de 2023 a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu o vínculo de emprego de uma vendedora que trabalhava em uma casa lotérica que fazia apostas do jogo do bicho, mesmo sendo considerado uma contravenção penal.
A corte máxima trabalhista, para fundamentar a decisão, destacou que a trabalhadora exercia outras atividades consideradas lícitas, como recarga de celulares e venda de bilhetes de loterias legais.
A profissional trabalhou na empresa entre 2009 até 2021. O juízo de primeiro grau considerou que ela atuava como cambista do jogo do bicho e, por isso, negou a relação empregatícia, entendendo que o fato de ela executar outras tarefas lícitas não afasta a razão principal do estabelecimento, que notadamente era ilícita.
O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB) reverteu a sentença e condenou a empresa a anotar a carteira de trabalho e pagar todas as parcelas decorrentes da relação de emprego, isso porque, para o Regional do Trabalho a exploração, entre outras, de atividade classificada como contravenção penal não seria suficiente para eximir a empregadora de suas obrigações trabalhistas.
Ao TST, a empregadora argumentou que a licitude da atividade é imprescindível para a validade de qualquer negócio jurídico. O recurso foi baseado na Orientação Jurisprudencial (OJ) 199 da corte, que considera nulo o contrato de trabalho firmado para o desempenho de atividade relacionada à pratica do jogo do bicho.
Inclusive afirmou a empregadora que “Se a atividade prestada é ilícita e o empregado tem consciência da sua ilicitude, como no caso, pode-se afirmar que não existiu contrato de trabalho, e, consequentemente, nenhum efeito jurídico dele decorrerá”.
O ministro do TST, Breno Medeiros, relator do caso, afastou a aplicação da OJ 199 devido às atividades lícitas. Ele ainda citou diversos precedentes nos quais a corte reconheceu a validade do contrato com estabelecimentos como bingos, quando o serviço prestado não diz respeito diretamente às atividades ilícitas — a exemplo de seguranças e pessoal de limpeza.
Willian Leonardo da Silva é advogado (OAB/SC 38.396), sócio do escritório Coelho Ramos & Silva Advogados, graduado em direito; formado no programa de desenvolvimento de dirigentes – PDD, pela Fundação Dom Cabral – FDC; Pós-graduado em direito empresarial e dos negócios; com MBA em gestão empresarial e dos negócios pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e IBS Business School de Minas Gerais; Pós-graduado em prática trabalhista avançada; Mestrando em direito pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas – FGV em São Paulo.