O ocaso da contemplação

Foto: Freepik

Por: Raphael Rocha Lopes

20/08/2024 - 15:08 - Atualizada em: 20/08/2024 - 15:43

“♫ And in the naked light I saw/ Ten thousand people, maybe more/ People talking without speaking/ People hearing without listening/ People writing songs that voices never share/ And no one dared/ Disturb the sound of silence ” (The sound of silence; Simon & Garfunkel).

Tenho observado, entre minhas idas e vindas do trabalho, cada vez mais frequentemente, nos pontos de ônibus e nos bancos das praças, a mesma cena: pessoas com os olhos fixos em suas pequenas telas luminosas, navegando por um mundo virtual que, ironicamente, as desconecta do mundo real. Aqueles velhos hábitos de observar o movimento das ruas, de ouvir o canto dos pássaros ou de simplesmente deixar a mente vagar parecem estar se perdendo. Será esse o início do ocaso da contemplação?

Contemplar sempre foi uma forma de se conectar com o presente, de vivenciar o agora. No entanto, na era dos smartphones, essa prática está sendo gradualmente substituída pelo nada digital. As pessoas estão tão ocupadas acompanhando as atualizações das redes sociais, assistindo a vídeos curtos e respondendo a mensagens instantâneas, que esquecem de prestar atenção ao que está ao seu redor. O pôr do sol, ou a superlua desta semana, quem tem tempo para admirá-los?

Detalhes sutis que se perdem.

Esse novo comportamento afeta a capacidade de apreciar o mundo e altera a forma como se interage com ele. A contemplação permite perceber detalhes sutis, refletir sobre a vida. Ela é fundamental para o desenvolvimento de uma mente crítica e criativa. Quando se deixa de contemplar, perde-se a oportunidade de fazer conexões profundas com o mundo, com as pessoas ao redor e até mesmo consigo próprio.

Além disso, essa mudança de foco pode ter impactos mais profundos na saúde mental e no bem-estar. O excesso de estímulos digitais pode gerar ansiedade, estresse e uma sensação constante de urgência, mesmo quando não há qualquer urgência a ser suprida. Esse ritmo frenético impede que o cérebro desacelere, essencial para o descanso e a recuperação mental.

A contemplação, por outro lado, oferece uma pausa necessária. Durante esses momentos de quietude e introspecção é que as mentes têm a chance de processar informações, resolver problemas e criar novas ideias.

O resgate

É urgente o resgate do hábito de contemplar, o que parece um desafio em um mundo onde a tecnologia está sempre ao alcance das mãos, e todos estão hiperconectados. O que fazer? Todos sabemos, cada um com suas preferências.

O ocaso da contemplação não precisa ser definitivo. Redescobrir o prazer de estar no momento presente e de verdadeiramente ver o mundo ao nosso redor é uma alternativa ao smartphone jorrando informações úteis e inúteis na nossa cara o tempo todo. A tecnologia tem seu lugar e suas vantagens, mas não deve substituir a riqueza que é a experiência humana em sua forma mais pura e simples.

Em última análise, a contemplação é um ato de resistência em um mundo que pressiona a ser produtivos a todo instante. É uma forma de reconectar com a essência do ser humano, com o que realmente importa. No meio da correria da vida moderna, talvez seja justamente a contemplação o que mais se precisa – um retorno ao simples, ao essencial, ao que faz as pessoas se sentirem vivas e conectadas com o mundo de maneira autêntica. Que o som do silêncio não vire uma metástase como na letra da música…

 

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Raphael Rocha Lopes

Advogado, autor, professor e palestrante focado na transformação digital da sociedade. Especializado em Direito Civil e atuante no Direito Digital e Empresarial, Raphael Rocha Lopes versa sobre as consequências da transformação digital no comportamento da sociedade e no direito digital. É professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Católica Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.