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ITBI na integralização de imóvel

Foto: Divulgação

Por: Fernando Chaves

15/09/2025 - 13:09 - Atualizada em: 15/09/2025 - 13:37

O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é de competência municipal e incide sobre a transmissão onerosa da propriedade imobiliária, nos termos do art. 156, II, da Constituição Federal. Sua materialidade está vinculada a negócios jurídicos que envolvem contraprestação entre as partes, caracterizando a onerosidade, em oposição às transmissões gratuitas, sujeitas ao ITCMD.

No contexto societário, surge relevante controvérsia quanto à exigibilidade do ITBI quando da integralização de imóveis ao capital social de pessoas jurídicas. Trata-se de tema de elevada repercussão prática, especialmente em planejamentos patrimoniais e empresariais, formatados pela transferência de imóveis de pessoas físicas — em geral os patriarcas — em troca de participação societária. Nesses casos, a utilização de empresas patrimoniais é prática recorrente, pois permite organizar o acervo imobiliário e planejar a sucessão com maior eficiência.

A questão central reside em saber se a integralização de imóveis no capital social estaria ou não sujeita ao ITBI, considerando que a Constituição Federal, no art. 156, §2º, I, prevê imunidade específica para tais operações, com a seguinte redação:

“não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.

Como se vê, o texto constitucional é corrido e de difícil leitura, o que dá margem a interpretações divergentes. Os contribuintes sustentam que há duas modalidades de imunidade: (i) uma incondicionada, para bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e (ii) outra condicionada, aplicável apenas às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, quando então a imunidade poderá ser afastada caso reste caracterizada a atividade preponderante de compra, venda, locação ou arrendamento de imóveis.

A dúvida, portanto, é se a expressão “salvo se, nesses casos” se limita apenas aos atos de reorganização societária referidos na segunda parte do dispositivo constitucional, ou também à integralização de capital social, tratada na primeira parte do texto.

Obviamente, desde 1988 os Municípios entendem que não existe imunidade incondicionada, exigindo a verificação da atividade preponderante mesmo para hipóteses de integralização de capital social. Aliás, a maioria dos entes municipais trata o tema sob o manto da isenção em sua legislação local, o que configura indevido rebaixamento da limitação constitucional ao poder de tributar.

Após anos de embates, no ano de 2020 o Supremo Tribunal Federal enfrentou a matéria no Tema 796 da repercussão geral, mas estava diante do caso em que um contribuinte integralizou ao capital social de pessoa jurídica dois tipos diferentes de bens e direitos: imóveis e ‘reserva de capital’. Naquela oportunidade, a Suprema Corte fixou a tese de que:

A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

É possível depreender que o direito à imunidade foi preservado. O problema é que, se realizado uma leitura seletiva da tese, sem considerar o voto vencedor que lhe dá o devido contexto, pode-se concluir equivocadamente que a imunidade incondicionada ficou limitada ao valor nominal do capital integralizado com imóveis, legitimando a cobrança do ITBI sobre eventual diferença entre o capital subscrito e o valor de mercado desses bens.

Como era de se esperar, essa interpretação distorcida passou a ser aplicada pelos Municípios para justificar a cobrança de ITBI sobre a chamada ‘diferença positiva de valores’. Em alguns casos, em flagrante contradição com sua própria leitura restritiva da imunidade, os entes locais sequer afastaram a tributação sobre o valor efetivamente subscrito ao capital social. Outros, ainda mais criativos, inverteram a norma constitucional e passaram a exigir a condição da atividade preponderante sobre a parcela correspondente ao capital social integralizado com imóveis e, de forma adicional, a cobrar o ITBI de maneira incondicionada sobre a diferença entre o capital subscrito e o valor de mercado dos bens transmitidos.

Em razão da insegurança jurídica criada, em 2024 o STF reconheceu a repercussão geral no Tema 1348, por meio do qual deverá revisitar a matéria para esclarecer o alcance da imunidade. A expectativa é de que a Corte reafirme o caráter objetivo e incondicionado da regra de imunidade sobre a simples integralização de bens e direitos imobiliários ao capital social, corrigindo interpretações restritivas que geram insegurança jurídica e litigiosidade.

Enquanto não houver decisão definitiva, porém, permanece o risco de os Municípios exigirem o ITBI em hipóteses que deveriam estar imunes, especialmente sob o argumento da suposta necessidade de verificar a ‘atividade preponderante’ da sociedade, como se a imunidade fosse mera isenção sujeita a requisitos. Daí a importância de uma posição clara e pedagógica do STF, que assegure a efetividade da imunidade e garanta coerência ao sistema tributário.

*Este artigo tem caráter exclusivamente informativo e não substitui a orientação de profissionais especializados.

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Fernando Chaves

Fernando da Silva Chaves, Advogado e Mestre em Direito Tributário (IBET/SP), autor do livro “O Imposto de Renda da Pessoa Física sobre a Doação e Sucessão Causa Mortis”OAB/SC 25.348 E-mail: [email protected]