“Seu nude que não é seu”

Foto divulgação/Pexels

Por: Raphael Rocha Lopes

30/10/2020 - 18:10 - Atualizada em: 30/10/2020 - 18:13

“♫ No meio do deserto encontrei a sua irmã/ Parecia um tigre comendo uma maçã/ Não sei o que senti, eu não pude acreditar/ Quando no espelho eu cruzei o seu olhar” (Lágrimas de crocodilo, João Penca & Seus Miquinhos Amestrados).

O que acontece quando uma pessoa se depara com sua foto em nudez circulando pela internet, especialmente pelos grupos de WhatsApp ou Telegram? Quais seriam os sentimentos ao saber que muitas pessoas a estão vendo sem roupas e, provavelmente, fazendo os comentários mais jocosos, desagradáveis ou preconceituosos possíveis?

Mais. Considerando que a maioria das vítimas é de mulheres, o que passará pela cabeça da pessoa se na foto circulando nas redes sociais estiver sua colega de trabalho, sua prima, sua irmã, sua esposa, sua filha ou sua mãe?

E qual a velocidade disso tudo, entre a primeira imagem de intimidade caindo na internet e o momento que a vítima ou algum conhecido próximo a vê?

E se não for você?

Que redemoinho de emoções surgirá quando a pessoa que estiver com a foto de corpo nu circulando nos grupos de WhatsApp dos amigos dos seus amigos descobrir que naquela imagem, de fato, não é ela?

A nova onda da sociedade virtual doente é despir pessoas com base em fotografias nas quais aparecem vestidas. Sim, com base em fotos de pessoas vestidas.

Inicialmente pelo aplicativo de comunicação Telegram, perfis estão “despindo” pessoas, a pedido, com base em fotografias reais. Ainda que os relatos apontem que, por ora, os corpos nus não têm ficado perfeitos, a brincadeira de mau gosto caiu na graça dos inconsequentes. E o que mais grassa na internet são usuários inconsequentes e maldosos…

E se for você?

Algumas pessoas repassam as fotografias montadas como se não houvesse qualquer problema. Há aqueles, inclusive, que menosprezam a potencialidade maléfica da grande rede nesses casos e existem outros que pensam que esta é só uma brincadeirazinha sem maiores consequências.

Mas, há, sim, um potencial destrutivo devastador. Nem todos reagem igualmente, mesmo quando têm plena consciência de que a imagem está adulterada. As sociedades virtual e real, nestas situações, atiram antes de perguntar, trucidam antes de procurar saber a verdade.

A dor dos outros sempre parece ser menor que a nossa. Em tempos de fake news e deep fakes (as montagens perfeitas de áudio e vídeo), há quem não dê importância em repassar “meras” fotos (verdadeiras ou falsas) de pessoas em momentos íntimos. E se for a sua? Ou da sua irmã, da sua mãe, da sua esposa ou da sua filha?

No meio do deserto da internet rolam muitas lágrimas. De crocodilo e de verdade.