“Não sei gourmet”

Imagem Unsplash

Por: Raphael Rocha Lopes

09/02/2022 - 06:02

“♫ Eu não sei explicar/ Vê se desculpa aí mas/ Eu sei que eu não sei/ Eu não consigo falar/ Você me deixa mal/ Eu sei que eu não sei” (Eu não sei, Ultraje a Rigor).

Já falei nessa coluna, mas nunca é demais repetir, a frase de Umberto Eco, o filósofo italiano: as redes sociais deram voz aos imbecis. Eu vou um pouco além: a internet como um todo deu essa voz.

Antes pessoas com ideias estranhas, estúpidas ou bizarras – sim, elas sempre existiram – estavam isoladas em seus mundos estranhos, estúpidos ou bizarros, ainda que entre nós, sem levantar suspeitas. Tinham algum pudor de fazer seus comentários estranhos, estúpidos ou bizarros em público.

E, então, veio a internet…

E, com a grande rede, as pessoas se sentiram mais à vontade de falar, protegidas por suas telas, longe dos olhares recriminadores diretos. Assim, pessoas com ideias estranhas, estúpidas e bizarras começaram a perceber que havia outras pessoas que compactuavam estranha, estúpida ou bizarramente com seus pensamentos. Deu match!

Os crushs da insanidade começaram a se unir e ganhar corpo e coisas estranhas, estúpidas e bizarras começaram a acontecer. Vou ficar num só exemplo: o sarampo voltou com força! Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de erradicação da doença; em 2019, com mais de 5000 casos confirmados e várias mortes, o Brasil perdeu a certificação. Em tempo: não foi exclusividade do Brasil e ainda há muitos antivacinas que estão comprometendo a vida de seus filhos.

Como dito, esse é só um exemplo. Mas, ainda que se saia da seara da saúde, muitas teorias conspiratórias sem qualquer fundamento e muitas informações intencionalmente distorcidas têm surgido diariamente nas redes sociais, nos comentários de notícias e nos blogs pseudojornalísticos.

Tropeçamos virtualmente em muitos doutores de tudo que nunca leram nada. Isso lembra aquele efeito que também já falei aqui, Dunning-Kruger, o das pessoas que sabem pouco sobre determinados assuntos, mas acreditam que os dominam, em detrimento daquelas com muito conhecimento que tendem a se subestimar.

Eu não sei. Ponto

As pessoas deveriam entender que, quando não sabem, não sabem. Falta humildade à humanidade. Deveríamos deixar as grandes discussões técnicas sobre saúde (inclusive sobre Covid e vacinas), geologia, política, engenharia, justiça para os especialistas. Ou, então, estudar de verdade para dar algum palpite, não em um site tendencioso cheio de achismos.

De outra banda, nem todos têm discernimento e acabam confiando em pessoas que se consideram (ou apenas parecem) autoridades sobre determinados temas. Muitas vezes esses incautos acreditam somente porque querem acreditar. Simples – e irresponsável – assim.

Definitivamente, nós não precisamos ter opinião sobre tudo. Digam “eu não sei”. É libertador. Não saber sobre alguma coisa que você não é especialista e nunca leu um livro não é demérito para ninguém. Assuma.

Contudo, se estiver constrangido em dizer que não sabe por poder parecer burro para outras pessoas (que possivelmente também não sabem), use as versões gourmet: “Não tenho informações para opinar”; “Faltam-me dados para dar minha conclusão”; “Não estou apto para tirar essa dúvida”.

Ou simplesmente faça aquele silêncio contemplativo com ar blasé que ninguém lhe perguntará mais nada, pois você parecerá mais inteligente que todos.