Ironicamente, no dia do livro, comemorado na última segunda-feira (29), o Brasil amanheceu órfão de uma de suas mais tradicionais livrarias. Cartazes afixados nas fachadas de 20 unidades da centenária Saraiva, informavam o encerramento de suas atividades.
Dias antes era anunciado pedido de recuperação judicial feito pela também gigante Livraria Cultura. A exemplo do que tem ocorrido com muitos ramos de negócios, este também foi impactado pelas incertezas do cenário econômico e, em particular, pela crise do mercado editorial, conjugado com a mudança na dinâmica e novas tecnologias deste setor varejista.
Não há dúvidas de que esses fatores contribuem para o enfraquecimento deste mercado. Há também os que sustentam o argumento da transição do livro impresso para o e-book. Até relevaria este argumento se o crescimento dessa modalidade não se apresentasse tão pífio.
A verdade é que os raros leitores que chegaram até a este parágrafo, sabem que o vilão responsável pela morte do livro é bem outro. Somos uma nação que pouco lê. Não há negócio ou mercado que se sustente sem consumidores.
De nada adianta o livro ser ofertado em multicanais se não há quem o absorva. Nosso livro morre porque nossas editoras tentam aplicar aqui os mesmos preceitos de mercado de países com bons históricos de alfabetização e cultura letrada.
Se podemos nos orgulhar de ter, de acordo com a UNESCO, uma das 10 maiores Bibliotecas do mundo (Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro), considerada a maior da América Latina, devemos lamentar, paradoxalmente, em exibir, nessa mesma dimensão geográfica, um dos piores índices de leitura.
Apesar da tímida melhora verificada nos últimos seis anos, pesquisas recentes apontam que ainda 44% dos brasileiros não leem, e desses, 30% nunca compraram um livro.
Se conjecturarmos que dos 56% que leem, 85% leem pouco, estaremos sendo otimistas em presumir que apenas 15% são ávidos leitores e consumidores de livros. Esta é a nossa triste realidade.
Então, se imaginássemos nosso Brasil como sendo um livro, o capítulo “cidadania” estaria redigido em mal traçadas linhas. O capítulo “educação” soaria sombrio e inacabado. Já, o capítulo “alienação”, esse sim, seria o mais objetivo, cristalino e conclusivo.
O fechamento de livrarias nos diz muito sobre nosso ‘pobre’ país. Em essência, revela nossa omissão ao livro. Ainda não nos damos conta de que só o livro nos livra.
Nos livra do mundo diminuto, do vácuo cultural, da caverna platônica, da servidão dogmática, da miopia política, do viver lacônico, em suma, nos livra do niilismo existencial. Enfim, se o Brasil fosse um livro, seria um amigo enfermo que morre esperando visita.