“Dando sentido à vida”

Por: Emílio Da Silva Neto

10/06/2019 - 11:06 - Atualizada em: 28/09/2019 - 11:57

O livro ‘Dom Quixote de La Mancha’, escrito pelo espanhol Miguel de Cervantes, com primeira edição em 1605, foi recentemente escolhido, por uma comissão de críticos literários, como a melhor obra de ficção de todos os tempos. Qual a explicação para o sucesso universal dessa obra, que conta a vida de um homem considerado louco?

Provavelmente é porque ela aborda, como nenhuma outra, a eterna luta entre o sonho e a realidade, um fenômeno essencialmente humano, do qual nenhum de nós está livre.

Dom Quixote, o cavaleiro de triste figura, como ele mesmo se chamava, resolve abandonar sua vida sem sentido e sair em viagem, acompanhado pelo escudeiro improvisado, Sancho Pança, objetivando fazer justiça no mundo, proteger os fracos e oprimidos e salvar donzelas em perigo, tudo buscando ‘dar sentido à sua vida’.

É a síntese do herói que vive em cada pessoa, mas que, muitas vezes, quando se manifesta, provoca nos outros a mesma reação que Quixote provocava, a de que ele havia ‘perdido contato com a realidade’.

Mas, Dom Quixote não se importava com a opinião dos outros, porque, seguro de seus propósitos, seguia em frente, mesmo após críticas ou fracassos. Enfim, era um ‘homem de atitude’.

Indo ao início da sua estória, Dom Quixote poderia continuar vivendo em paz em sua pequena fazenda, na província de La Mancha. Mas, contando já com mais de 50 anos, optou por uma vida inconformada, cheia de aventuras e perigos, e foi justamente isso que o transformou em um personagem eterno.

A grande lição do livro é que, enquanto algumas pessoas têm coragem de agir como Dom Quixote, outras se conformam em esperar, ainda que, para sempre, que a solução para seus problemas venha pronta, sem exigir esforço. E perdem tempo conversando sobre sua falta de sorte e sobre a injustiça que sofrem enquanto esperam uma redenção.

Em resumo, há ‘pessoas de atitude’, as que fazem a diferença, e aquelas outras, que apenas esperam que as coisas aconteçam e, por isso, têm grande chance de experimentar a frustração.

Pensamentos de dois respeitados estudiosos do comportamento humano podem ajudar a compreender essas diferenças.

O primeiro é o do psicólogo alemão Kurt Lewin, que criou um conceito, que chamou de “Teoria de Campo”. Essa teoria se refere à existência de forças internas e externas, positivas e negativas, que interagem e definem a conduta do indivíduo. Algumas pessoas agem como se estivessem sujeitas principalmente às forças negativas, que as seguram, impedem seu movimento, como um automóvel que não sai da primeira marcha.

Já outras, são influenciadas por forças propulsoras, algumas criadas por elas mesmas, outras aproveitadas do meio circundante. Isso vale para uma pessoa, um grupo e, mesmo, para uma empresa. A diferença estará na percepção das forças e na disposição para utilizá-las.

O segundo é o do administrador hindu Ran Charan, que migrou para os Estados Unidos, onde se tornou professor da Universidade de Harvard e é conselheiro de dezenas de presidentes das maiores empresas americanas.

Suas ideias de gestão unem o pragmatismo americano à sabedoria oriental. Um de seus livros mais influentes tem o título de ‘Execução, a Disciplina para Atingir Resultados’. Nele, ensina: “o elo perdido entre o plano e o resultado é a execução, a atitude”.

Por fim, para ‘abrandar’ esta dicotomia sobre atitude, vale lembrar que cantar é um exemplo de atitude impulsionada por forças positivas, capazes de promover mudanças internas e, como consequência, externas. O cérebro humano funciona porque tem neurônios, estes interconectados através das sinapses.

Estas, por sua vez, dependem de hormônios próprios para serem ativadas – os neurotransmissores. Entre eles, estão as endorfinas, bastante conhecidas por aqueles que gostam de esporte, por serem analgésicos naturais produzidos quando o corpo está em intensa atividade física, cuja finalidade é a de proteger o corpo da dor provocada pelas possíveis lesões da prática esportiva, mas, que, também, atuam sobre a condição emocional.

Em outras palavras, as endorfinas não são só poderosos antidepressivos, mas, também, estimulantes que levam a se experimentar a elevação de quatro ótimos estados mentais: bem-estar, autoconfiança, otimismo e serenidade.

Tudo, como todos gostariam de sentir, sempre. Pois bem, quando cantamos, produzimos endorfinas. E quando tomamos atitudes firmes, confiantes, otimistas, também.

Quanto a isto, afirmou Dom Quixote com sua convicção habitual: “eu sempre ouvi dizer que quem canta seus males espanta”. Ou seja, essa frase sobrevive há, pelo menos, quatro séculos.

Embora não se saiba, exatamente, quando nasceu a música ou mesmo quando o ser humano começou a usar sua voz para produzir melodia, registros rupestres denunciam que o homem das cavernas já produzia alguma música que, quando associada à dança, servia para reverenciar os deuses, ganhando assim um sentido … religioso.