“Consultor, ‘espinho no pé’?”

Imagem: Nando Pires

Por: Emílio Da Silva Neto

03/10/2019 - 09:10 - Atualizada em: 03/10/2019 - 09:51

Um espinho no pé, por ser um ‘corpo estranho’, além de causar dor no toque, se lá ‘abandonado’, vai provocar inflamação, uma reação natural do corpo humano a algo que ‘não lhe pertence’.

Reportando-se a mais uma comparação orgânica, quando se é submetido, por exemplo, uma cirurgia plástica, para corrigir alguma disfunção estética (justificável ou não), o primeiro efeito (o inicial) é, normalmente, preocupante (para não dizer ‘decepcionante’), para, depois, no caso da cirurgia bem-sucedida, os resultados levarem a uma aparência melhor que a anterior ao procedimento.

Pois bem, assim, também o é em um trabalho de consultoria, com a intervenção de um profissional competente e independente, recém-chegado a uma empresa, quando esta tem visíveis disfunções técnicas e/ou gerenciais, momento este, em que são explicitadas ‘chagas’, cujas dores, neste interregno inicial de tempo, até, aumentam.

Mas, afinal, pode um Consultor independente ser comparado a um ‘espinho no pé’ (corpo estranho) e seu trabalho a uma ‘cirurgia plástica’ (inicialmente, de efeitos desastrosos)?

Segundo Peter Drucker, a principal fonte de riqueza de uma empresa, atualmente, é o seu ‘capital intelectual’ e não mais o capital financeiro, os recursos materiais e as faculdades físicas, principais fontes de vantagem competitiva do passado, para atrair e reter clientes.

Ademais, a competitividade concorrencial não se contenta, mais, com a melhoria contínua de processos mas, também, com a diferenciação da empresa e sua capacidade de inovação para… reinventar o futuro

O ‘capital intelectual’, expresso sob a forma de ‘ativos intangíveis’, é a soma do ‘capital humano’ (competências individuais: conhecimentos tácitos, conhecimentos explícitos e conhecimentos estratégicos), ‘capital estrutural’ (rede de relacionamentos internos: siste­mas administrativos, cultura organizacional, sistemas compu­tacionais e patentes) e ‘capital de clientes’ (rede de relacionamentos externos: clien­tes, fornecedores, marcas, imagem).

Em outras palavras, o ‘capital intelectual’ é um capital não valorado em moeda, que representa uma espécie de ‘lacuna oculta’ entre o valor contábil da empresa e seu valor de mercado, pois considera, para gerar riqueza à empresa, fatores humanos , além dos estruturais.

Isto é, na sociedade do conhecimento, o principal ‘combustível’ de uma empresa é o seu ‘capital intelectual’, tal como a seiva que alimenta uma árvore, para tornar-se madeira maciça, isto é, a estrutura da árvore.

Neste ambiente, a figura do Consultor independente, alguém sem vínculo familiar, social ou hierárquico com a empresa, garantindo isenção (devido à independência), auxilia muito na gestão, facilita a criação de regras que ordenem, valida decisões e formaliza, mais facilmente, procedimentos e processos.

Isto tudo facilita a absorção, por parte da empresa, de novas competências (conhecimentos + habilidades + atitudes), aumentando o seu ‘capital intelectual’, em prol de uma maior eficácia empresarial.

Contudo, vale lembrar, por parte das ‘anfitriãs’ (as empresas contratantes), que a humildade e o ‘coração aberto ao novo’ (a novas ideias, nem todas, claro, aceitáveis) são indispensáveis, para que inaplicáveis sejam estereótipos (aos consultores), como ‘corpo estranho’ e ‘convalescença cirúrgica’ (“emenda, pior que o soneto”, segundo o poeta português Bocage, *1765 – +1805).

Isto, também, remete a lições remotas, como: “Só sei que nada sei” (Sócrates, 470-399 a.C.); “saber mais que os outros é fácil; difícil é saber melhor que os outros” (Sêneca, 4 a.C.-65 d.C.); e “daria tudo o que sei pela metade do que ignoro” (Descartes, 1596-1650).

Enfim, um consultor (também sob titulações de coach, personal ou mentor empresarial) é um profissional (espera-se, qualificado, isto é, conhecedor do tema) que enxerga a problemática, sob ótica distinta e muldisciplinar, imparcial, independente e isenta.

O seu serviço acontece por meio de diagnósticos e processos e tem o propósito de levantar as necessidades do cliente, identificar soluções e, baseando-se em fatos (nunca em ‘achismos’), recomendar ações, atenuando possíveis ‘miopias’ empresariais.

Além disso, o Consultor, prudentemente, alerta para eventuais ‘deslumbramentos’ (alicerçados em exacerbados individualismo e autossuficiência de líderes), isto é, ‘ofuscamentos por excesso de luz’, produzidos por algumas ideias disruptivas, daquelas ditas ‘caídas do céu’ (“de muita espuma e pouca água”, segundo Tancredo Neves).

Em outras palavras, de posse de informações coletadas entre os diversos envolvidos com os temas na empresa, o consultor desenvolve, implanta e viabiliza um projeto de acordo com a necessidade específica do cliente.

Ou seja, voltando à comparação do início do texto, o consultor é como um médico. Quem quer prevenir doenças e garantir uma vida saudável costuma procurar este profissional. Quem fica doente, geralmente, procura-o ainda mais rápido.

No caso de quem quer evitar ou já tem problemas empresariais, este pode precisar de um consultor. Mas, de nada adianta, por parte do ‘paciente’ (a empresa), uma ‘rejeição’ (como a um ‘corpo estranho’) à pessoa do ‘médico’ (consultor) e, muito menos, desconsideração (‘imediatismo’) às suas ‘prescrições’ (recomendações) para o tratamento (prevenção, cura ou atenuação de problemas de saúde).

Em suma, nada como “dar tempo ao tempo” (Eclesiastes 3:1-8).