♫ “Os jogos perdidos/ Joelhos feridos, é!/ Porque na vida real é bem legal/ Mas é dureza/ Há beleza em tudo isso, no dia a dia/ Há beleza em tudo isso, a toda hora/ Há beleza em tudo isso, cada minuto/ Há beleza em tudo isso, em cada átomo”♫ (Há beleza em tudo isso; Pequeno Cidadão)
Quem acompanha meus textos e palestras sabe que uma coisa que me incomodava era, tempos atrás, a gritaria e a bagunça que crianças provocavam em restaurantes, quando seus pais não tinham o mínimo controle sobre elas e o mínimo respeito com os demais frequentadores dos lugares.
Agora, porém, é muito mais assustador: há um silêncio sombrio decorrente da hipnose provocada pelos smartphones e afins. Bebês, crianças pequenas e crianças grandes apenas deglutindo a comida que lhes é colocada boca adentro por seus pais ou mães, também muitas vezes absortos nos seus aparelhos.
Dizem os professores que o mesmo estava acontecendo nos recreios das escolas. Não havia mais aquela gritaria natural da união eufórica de crianças no meio das duas partes da aula. É mais do que assustador, é preocupante. Ou era. Vamos ver como as coisas vão se desenvolver daqui em diante com a nova norma que impede celulares nas escolas.
O recreio, que deveria ser um espaço de socialização, virou mais um momento de isolamento digital. No lugar das brincadeiras, das conversas e da correria pelo pátio, havia crianças sentadas lado a lado, cada uma imersa na sua própria tela. Antes, as escolas eram, nesses horários, barulhentas, caóticas, vivas. Agora, passaram a ser silenciosas demais, e não porque os alunos estão mais compenetrados, mas porque estão alienados em seus dispositivos.
A decisão de restringir o uso de celulares nas escolas pode parecer radical para alguns, mas, na verdade, é um resgate necessário. O recreio tem uma função essencial no desenvolvimento infantil: é o momento em que as crianças aprendem a interagir sem tantas mediações, desenvolvem habilidades sociais e constroem memórias que vão além das telas.
As novas gerações precisam reaprender a brincar, a negociar regras em jogos, a se frustrar e a resolver conflitos sem a intermediação de um algoritmo. E isso só acontece na interação real, no olhar nos olhos, na conversa espontânea, no toque, na troca. Não é exagero dizer que a infância está em risco quando uma criança prefere um vídeo repetitivo a uma brincadeira ao ar livre com os amiguinhos.
Se antes a preocupação era o barulho excessivo das crianças, agora é a falta dele. O silêncio absoluto do recreio reflete um problema maior: a dificuldade de se relacionar sem a chupeta digital. A hiperconectividade tem feito com que crianças e adolescentes percam o interesse pelo mundo ao redor, substituindo experiências reais por interações filtradas por telas.
A decisão de restringir os celulares nas escolas não resolve tudo, mas é um começo. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de entender que há momentos para tudo. E o recreio não deve ser um momento de isolamento, mas de conexão real.
Veremos, nos próximos meses, se a medida surtirá efeito. Se os pátios das escolas voltarão a ter o som das gargalhadas, das correrias, das disputas de futebol improvisadas e dos grupinhos divagando, do seu jeito, sobre a vida. Se os olhos das crianças voltarão a brilhar pelo contato humano, e não pelo reflexo azul das telas.
Porque, no fim das contas, a infância precisa do recreio. E o recreio precisa ser vivido, não apenas assistido por uma tela.