“♫ And if I should falter/ Would you open your arms out to me?/ We can make love, not war/ And live at peace with our hearts” (A little respect; Erasure).
Estamos vivendo no tempo em que as redes sociais estão moldando os comportamentos, relações e, em muitos casos, a visão de mundo. Uma transformação inquietante tem emergido: a ideia de que, protegidos por uma tela, pode-se dizer o que quiser, sem consequências.
No ambiente digital, muitas vezes as pessoas se escondem atrás de avatares, perfis editados, onde expor uma opinião parece inofensivo. Protegidos pelo anonimato ou pela distância física, muitos se permitem dizer coisas que jamais diriam pessoalmente. O efeito é imediato: o tom das discussões se torna mais agressivo, as ofensas frequentes, e o espaço para a troca de ideias vira uma arena de batalhas verbais.
O transbordamento para a vida real
Esse comportamento, antes restrito ao digital, está contaminando a vida fora da internet. O que era dito sem filtro nas redes agora é proferido em espaços públicos, no trabalho, nas ruas. A linha entre o mundo virtual e o real se dissolveu. As pessoas, habituadas à ideia de que suas opiniões não precisam ser ponderadas ou respeitosas online, trazem essa mesma postura para o convívio social.
O resultado é uma sociedade cada vez mais polarizada e com menos capacidade de diálogo. A empatia, fundamental nas relações humanas, está sendo deixada de lado. Argumentar e ouvir se tornaram atos raros. Muitos preferem afirmar categoricamente que estão certos, ignorando os sentimentos ou perspectivas alheias.
Nas redes, o comportamento rude é, de certo modo, recompensado. Quanto mais polêmica uma postagem, maior o engajamento. Isso cria a falsa impressão de que, para ser ouvido, é necessário ser barulhento e agressivo. No mundo real, essa lógica parece estar se repetindo para alguns: quanto mais rudes, mais atenção recebem. Mas, fora das telas, o impacto das palavras é mais profundo.
A normalização da idiotice
O perigo dessa transformação é a normalização da grosseria e da intolerância. O espaço para o diálogo saudável diminui, enquanto a cultura do cancelamento se expande. As pessoas deixam de debater ideias ou aprender com perspectivas diferentes, preferindo impor suas verdades e destruir quem discorde.
Parte dessa desconexão entre fala e responsabilidade está na própria arquitetura das redes sociais, que priorizam a comunicação rápida em detrimento da reflexão. Quando uma opinião é postada online, não há tempo para pensar nas consequências. A empatia é ofuscada pela pressa.
Além disso, o distanciamento físico nas redes dá a falsa impressão de imunidade às repercussões das palavras. Se não se vê o rosto de quem é ofendido, a dor causada parece inexistente. Contudo, na vida real, essa desconexão desaparece. A agressividade, antes confinada ao digital, se torna um ato de violência verbal direto, afetando profundamente as relações interpessoais.
Parece que as pessoas perderam a noção do bom senso; perderam o respeito e acham isso perfeitamente normal, pois é o seu suposto direito de manifestação ou liberdade de expressão. A civilidade foi descartada do dicionário.
O desafio virou resgatar a habilidade de ouvir e dialogar, de relembrar que as palavras têm peso e podem construir ou destruir pontes entre as pessoas. A educação digital, assim, se torna essencial para o uso das redes sociais como um espaço de troca respeitosa, e não de guerra ideológica. E, consequentemente, surge a necessidade de levar a mesma reflexão para fora do digital, redescobrindo-se a capacidade de discutir ideias com serenidade, mesmo quando há discordâncias profundas.