O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) ingressou na Justiça com uma ação penal para punir 14 pessoas – empresários e agentes públicos – por uma série de crimes praticados na venda de 200 respiradores pulmonares não entregues ao Estado de Santa Catarina, o que lesou os cofres públicos em R$ 33 milhões.
A denúncia foi protocolada na Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis na tarde desta quarta-feira (25).
Os empresários denunciados vão responder por organização criminosa, estelionato, falsificação de documento particular, falsidade ideológica, uso de documento falso e lavagem de dinheiro.
Um ex-servidor responderá por estelionato e obstrução da investigação. Uma servidora responderá por peculato culposo, uso de documento falso e obstrução da justiça. E os demais servidores responderão por peculato culposo, por terem sido supostamente negligentes.
A Operação O2 foi deflagrada em maio do ano passado pela força-tarefa composta pelo MPSC, Polícia Civil e TCE (Tribunal de Contas do Estado).
Dividida em duas fases, a operação colheu mais de 50 depoimentos e cumpridos 51 mandados de busca e apreensão e cinco de prisão preventiva.
Um mês depois, em junho do ano passado, os autos da investigação foram remetidos para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), que apurou os fatos durante um ano. O STJ devolveu a apuração para a força-tarefa catarinense em julho desse ano.
Organização Criminosa
De acordo com a ação penal, uma suposta organização criminosa teria sido constituída para que seus membros obtivessem vantagem patrimonial aproveitando-se da necessidade urgente de aquisição de equipamentos e materiais por entes públicos e privados para o enfrentamento da pandemia de coronavírus.
A organização criminosa seria chefiada por um dos empresários, que contou com auxílio direto de um agente político.
Os empresários ofereciam para a venda respiradores pulmonares que não existiam. Naquele momento esses equipamentos eram essenciais para o tratamento de casos graves de covid-19 e, por isso, extremamente escassos e com valores muito elevados na ocasião. A negociação envolvia a exigência de pagamento antecipado.
Utilizando os mesmos métodos, o grupo também negociava com entes públicos e privados de outros estados.
Especificamente no caso de Santa Catarina, a suposta organização criminosa teria tido como elo com o poder público um agente político, e contado com a atuação facilitadora uma servidora pública.
Além dos empresários que integravam a organização criminosa, outras pessoas participaram direta ou indiretamente da negociação e foram denunciadas de acordo com a participação na fraude.
As provas coletadas no curso da investigação, que por um ano foi conduzida pelo STJ, mostram que o procedimento administrativo de compra dos respiradores pulmonares foi instruído com duas propostas falsas, de modo a assegurar a contratação da empresa pertencendo à organização criminosa.
A ação penal foi assinada pelos promotores de Justiça que integram a força-tarefa O2 – as promotoras de Justiça Isabela Ramos Philippi, Lara Peplau e Marina Modesto Rebelo e os promotores de Justiça Maurício de Oliveira Medina e Alexandre Graziotin, além do promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira, que responde pela 26ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital.
A denúncia agora será analisada pelo Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis. Somente após o recebimento pelo Poder Judiciário os denunciados passam a ser réus. Por conter informações em sigilo, a ação foi protocolada em segredo de justiça.
Como ocorreu a fraude:
De acordo com a ação penal, um grupo de empresários se aproveitou do momento mais crítico da pandemia e estruturou uma organização criminosa para obter vantagens.
Esse grupo tentou vender respiradores que não tinham para o Hospital Albert Einstein, de São Paulo, para a empresa RTS Rio S/A, para a Prefeitura de Barueri (SP), para a Associação Cultural Floresta, de Porto Alegre, para o Estado do Amazonas e para a Secretaria de Estado de Saúde de Santa Catarina.
Apenas a Secretaria de Saúde catarinense fez negócio com o grupo.
22 de março de 2020:
Em trocas de mensagens, um agente político indica integrantes da suposta organização criminosa como fornecedores que poderiam atender a demanda do Estado por respiradores.
Nesse mesmo dia, uma servidora pública recebe o prospecto e uma foto de respiradores pulmonares.
22 a 25 de março de 2020:
Uma série de contatos entre a servidora e o empresário é estabelecida para um ajuste de venda de respiradores pulmonares ao Estado.
Nessas ocasiões, o empresário afirma que dispunha de 500 respiradores para pronta entrega e destaca a urgência no fechamento do contrato, já que a demora resultaria na venda para outro interessado.
25 de março de 2020:
O empresário negocia com a servidora 200 respiradores pulmonares para pronta entrega, ao preço unitário de R$ 169 mil.
Um agente político intervém, obtém a redução do preço para R$ 165 mil e determina servidora que feche a compra com o empresário.
Diante do acerto verbal, empresários elaboram uma proposta recorrendo a um empresário idôneo, que desconhecia o ajuste ilícito. Nessa noite, uma proposta é encaminhada à Secretária da Saúde.
26 de março de 2020:
Inicia-se processo de dispensa de licitação para a aquisição direta dos bens.
O empresário que não sabia que o negócio seria uma fraude foi contatado pela organização criminosa para que pagasse R$ 3 milhões em propina. O empresário recusou-se a participar da ilegalidade e abandonou o negócio.
Passam a integrar, então, integrantes da empresa registrada no nome de um “laranja” e que vai vender os respiradores que não existem para o Estado.
Nessa noite, uma proposta em nome dessa empresa, não assinada, é encaminhada pelo grupo de servidores.
27 de março de 2020:
O empresário, líder da fraude, solicita a substituição da proposta enviada dois dias antes por outra proposta, não assinada, e passa a cobrar o depósito dos valores adiantados para a entrega dos equipamentos.
Iniciada a dispensa de licitação, a Assessoria Jurídica da Superintendência de Gestão Administrativa lança um despacho no processo administrativo de compra indicando a necessidade de juntada de mais dois orçamentos de outros fornecedores, a fim de demonstrar a adequação do preço ao mercado.
28 de março de 2020:
A servidora faz contato com o empresário e solicita dois orçamentos. O empresário contata seus parceiros e estes enviam orçamentos falsos à Secretaria de Estado da Saúde.
1º de abril de 2020:
O Estado de Santa Catarina efetua o pagamento de R$ 33 milhões à Veigamed para o fornecimento de 200 respiradores pulmonares Medical C35, os quais jamais foram entregues.
3 de abril de 2020:
O pagamento feito pelo governo efetivamente entra na conta bancária da empresa que até hoje não entregou os respiradores para o Estado.
Próximos passos do processo judicial
- O Juiz da vara criminal da região metropolitana de Florianópolis irá analisar se recebe (aceita) ou não a denúncia, que é a ação penal proposta pelo MPSC. Nessa análise, ele avalia se a denúncia atende aos requisitos legais, ou seja, se o MPSC, por exemplo, demonstrou que há provas suficientes para o início do processo e se a peça narra os fatos de forma satisfatória;
- Após o Juiz decidir pelo recebimento da ação penal, os envolvidos deixam de ser acusados e passam a ser réus. Inicia-se o processo e os réus são citados (chamados) para se defender;
- Os envolvidos começam a rebater as acusações com justificativas embasadas em documentos e indicam testemunhas;
- O juiz analisa tudo e pode absolver sumariamente (sem ouvir mais ninguém) os réus ou designar uma audiência de instrução e julgamento;
- Na audiência de instrução e julgamento são produzidas mais provas, as testemunhas são ouvidas e pode haver até “acareações” – os envolvidos ficam frente a frente para o confronto de versões;
- No final da audiência são oferecidas as chamadas alegações finais – tanto defesa quanto testemunhas se manifestam para demonstrar as suas versões do fato;
- Após as alegações finais, a ação penal está pronta para o juiz anunciar a sentença.
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