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Mães e pais relatam violência obstétrica, e Maternidade Darcy Vargas anuncia investigação de óbitos em audiência

Diene Lopes contou, chorando, toque indevido do médico/Mauro Schlieck/CVJ

Por: Pedro Leal

30/09/2025 - 17:09 - Atualizada em: 30/09/2025 - 17:39

Nesta segunda-feira (29), o plenário da Câmara recebeu uma audiência pública da Comissão de Saúde para debater o atendimento da Maternidade Darcy Vargas. No encontro, solicitado por Pastor Ascendino Batista (PSD), usuários da maternidade trouxeram diversos relatos de negligência e intervenções traumáticas durante partos.

Em resposta aos relatos das falhas assistenciais na unidade, o diretor da instituição, Fábio André Correia Magrini, anunciou a abertura de investigações sobre óbitos neonatais e se comprometeu com a implantação de protocolos de transparência na maternidade.

Relatos

Entre os tantos relatos do público com insatisfações com o atendimento da maternidade, Fabiane Rosa contou que perdeu o filho após sucessivas negações de cesárea por parte da maternidade. Ela afirmou que, quando estava grávida de 36 semanas, o bebê tinha peso adequado, mas os médicos insistiram no parto normal, mesmo diante de falhas em equipamentos.

O parto, segundo ela, ocorreu de forma traumática, com manobras forçadas, e o bebê nasceu morto e com o corpo marcado por lesões. A mãe denunciou negligência, disse que os médicos atribuíram falsamente a morte a diabetes gestacional e acusou a instituição de priorizar interesses financeiros em detrimento da vida de seu filho.

Alex Kuehlkamp Schmoeller denunciou outras falhas da instituição, como a demora no diagnóstico de pré-eclâmpsia (uma grave condição da gravidez) em sua esposa, que resultou em complicações graves no parto. O filho nasceu com sequelas neurológicas permanentes e hoje depende de múltiplos tratamentos. O pai responsabilizou a unidade e o Estado pelas falhas.

Diene Lopes contou, chorando, que após 23 horas em trabalho de parto, um médico insinuou que não havia motivo para sua internação. A cesárea dela teria sido realizada embaixo de uma goteira e, mesmo após o procedimento, o médico realizou um toque indevido. Ao final, o médico teria dito ao marido dela que, se o parto tivesse demorado mais um dia, o bebê teria morrido.

Em outro relato, Jéssica de Souza Reis contou que, em seu trabalho de parto, a equipe da maternidade teria ignorado as dores e os sinais de sofrimento fetal, demorando a agir. Após cesárea de emergência, a filha nasceu com asfixia, paralisia cerebral e epilepsia. Ela ainda acrescentou que sofre sequelas físicas e emocionais até hoje.

Sara Caroline trouxe o relato de situação vivenciada pela cunhada dela na Maternidade Darcy Vargas. A paciente teria chegado com anemia e entrou em trabalho de parto, mas, após 12 horas de dor, só conseguiu cesárea com muita insistência. Durante o procedimento, houve corte na bexiga, que precisou ser reparado cirurgicamente. Além disso, Sara contou que a sonda urinária foi colocada de forma errada, agravando o sofrimento no pós-operatório.

Ações da maternidade

Em resposta a casos de violência obstétrica, o diretor da Maternidade Darcy Vargas, Fábio André Correia Magrini, anunciou a abertura de seis linhas de investigação sobre óbitos neonatais e mudanças nos protocolos da unidade. Durante audiência, assumiu a demora na apuração de casos anteriores, mas garantiu que não haverá impunidade para imperícia, negligência ou imprudência comprovadas.

André reforçou que um projeto de lei que garante à gestante o direito de escolher a via de parto já tramita na Assembleia Legislativa e será implementado. Ele também se comprometeu a instalar placas com os canais de denúncia por violência obstétrica e a ampliar a transparência no atendimento, assegurando que todas as famílias tenham respostas sobre os casos em apuração.

O que disse o Estado

A representante da Gerência Regional de Saúde, Graziela Vieira de Alcântara, enfatizou que a Maternidade Darcy Vargas, que é estadual, é referência em partos e gestações de risco em Santa Catarina. Conforme Graziela, todos os óbitos maternos, fetais e infantis são obrigatoriamente investigados em parceria com as vigilâncias epidemiológicas e as conclusões geram medidas corretivas e recomendações para melhorar os protocolos e a segurança assistencial em todos os serviços de saúde.

As manifestações dos vereadores

A vereadora Vanessa da Rosa (PT) manifestou solidariedade às famílias que relataram casos de violência obstétrica, classificando a audiência como uma das mais difíceis que já presenciou na Câmara. Ela ainda criticou a naturalização de procedimentos inadequados por parte de alguns profissionais da Maternidade Darcy Vargas.

A parlamentar questionou a falta de divulgação sobre o direito da gestante de escolher o tipo de parto e cobrou processos educativos para informar sobre os benefícios de cada via de parto. Vanessa ainda enfatizou a necessidade de revisão de protocolos e melhores condições de trabalho para os profissionais, sem que isso justifique atendimentos inadequados.

O vereador Neto Petters (Novo) reconheceu os relatos de violência obstétrica, mas citou também um caso positivo de atendimento na maternidade. Destacou que a eventual futura lei que garante à gestante a escolha do parto resolverá parte do problema. Como encaminhamento, cobrou treinamentos para os profissionais, argumentando que a maioria é qualificada, mas uma minoria precisa de capacitação para garantir atendimento adequado a todos.

Henrique Deckmann (MDB) defendeu que a clareza nos processos é o mínimo de consolo para as famílias em luto. Ele propôs a criação de uma política pública específica para acolher mães que perderam seus filhos, paralelamente ao acompanhamento já existente para puérperas. Afirmou que “a mulher é soberana” em suas decisões quando bem informada no pré-natal, e finalizou ressaltando que a alegria de 600 nascimentos não anula a dor de uma única perda.

Encerrando a audiência, o vereador Pastor Ascendino anunciou uma diligência surpresa na Maternidade para verificar problemas relatados, como demora no atendimento e partos prolongados. O parlamentar se comprometeu a avançar com a legislação sobre parto humanizado.

Estatística

A representante do Comitê de Prevenção da Mortalidade Materna Infantil e Fetal, Maria Simone, destacou que Joinville possui taxa de mortalidade infantil de 8,5 a cada mil nascidos vivos, índice abaixo do valor estadual (9,1) e nacional (10,6). Entretanto, conforme a apresentação, o índice municipal subiu no intervalo de 2022 a 2024, saindo de 6,54 para 6,88 e, na sequência, para 8,5.

Proposta

O vereador Pastor Ascendino Batista protocolou um projeto de lei que estabelece medidas para humanização do parto e combate à violência obstétrica. A proposta visa garantir à gestante o direito de escolha sobre o tipo de parto e métodos de alívio da dor, além de assegurar informações claras e acompanhante durante todo o processo.

O texto prevê a criação do Plano Individual de Parto, onde a gestante registra suas preferências, e estabelece identificação diferenciada para casos de risco. O projeto também determina a elaboração de cartilha informativa e transparência nos dados sobre partos, seguindo agora para análise das comissões técnicas antes da votação.

O projeto agora segue para análise das comissões técnicas antes de ser votado em Plenário.

 

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Pedro Leal

Analista de mercado e mestre em jornalismo (universidades de Swansea, País de Gales, e Aarhus, Dinamarca).