A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta quarta (3) que as omissões e contradições da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, deveria anular o acordo e que, da maneira como foi apresentada, não encontra precedentes na Justiça.
Bolsonaro é o sexto réu a ter a defesa ouvida no julgamento do chamado “núcleo 1” ou “crucial” da suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A análise da ação penal começou na terça (2) e teve o pedido de condenação reiterado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.
“A delação é muito mais grave, da forma como está sendo proposta nas alegações finais do Ministério Público, não existe aqui e nenhum lugar do mundo,. O que se está se pretendo é reconhecer uma parcial falsidade da delação e, ainda assim, fazer um aproveitamento dela diminuindo a pena”, disse o advogado Celso Vilardi, que faz a defesa de Bolsonaro junto de Paulo Cunha Bueno. O ex-presidente não participa presencialmente do julgamento pelo segundo dia.
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Além de Bolsonaro, também fazem parte deste núcleo, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente e delator do plano, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e os generais Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil. É a primeira vez na história do país que militares serão julgados em um tribunal civil.
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Celso Vilardi frisou que as nulidades e omissões apontadas pela própria Procuradoria-Geral da República (PGR) deveriam anulá-la por completo, sem aproveitamento. E ainda diz que Mauro Cid “mentiu”, mas que nem mesmo ele incriminou Bolsonaro no suposto plano de golpe.
“Nem o delator, que eu sustento que mentiu contra o presidente da República, nem ele chegou a dizer participação em Punhal (plano Punhal Verde e Amarelo), em [operação] Luneta, em Copa (plano Copa 2022) e em 8 de janeiro [de 2023]. Nem o delator, não há uma única prova”, disse o advogado frisando que não há provas sequer para o Ministério Público fazer o contraditório às alegações da defesa de Bolsonaro.
Vilardi também lembrou das mensagens de Cid vazadas à imprensa pela revista Veja e de um bate-papo por uma rede social com outro advogado de que teria sido pressionado para fazer a delação premiada, e que haveria uma narrativa pronta.
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O advogado ainda pontuou que toda a acusação contra o ex-presidente é baseada apenas na delação e em minutas supostamente golpistas, mas sem provas comprobatórias, e que também não houve tempo suficiente para se analisar todo o material apurado pela Polícia Federal — mais de 70 terabytes de arquivos. E ainda questionou a competência da Primeira Turma em julgar a ação contra o ex-presidente, que deveria ocorrer no Plenário do STF.
“Não houve paridade de armas, nós não tivemos o tempo que o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram. E não tivemos acesso às provas durante a instrução. Com 34 anos [de atuação], é a primeira vez que venho à tribuna [de que] não conheço a íntegra desse processo. São bilhões de documentos, com 15 dias de instrução”, ressaltou.
Ainda durante a sustentação da defesa, Vilardi citou fatos como a alegada reunião de Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas em dezembro de 2022, de que o suposto golpe não foi efetivado; de não haver ligação com os atos de 8 de janeiro de 2023; da suposta impressão de minuta com teor golpista encontrada no celular de Cid, etc.
“A denúncia está baseada num general que imprime uma minuta no Palácio e no mesmo dia vai ao Palácio do Alvorada. Essa é a prova? Não existe absolutamente nada”, pontuou citando que “esse caso vai crescendo pra colocar o presidente no 8 de janeiro”.
Vilardi ainda citou, durante a sustentação, que “é uma sucessão inacreditável de fatos. E o presidente foi dragado para estes fatos, não atentou contra o estado democrático de direito”.
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Pouco depois, o advogado Paulo Cunha Bueno, já nos minutos finais da sustentação, defendeu Bolsonaro com base no que seriam falhas na legislação utilizada para imputar os crimes a que ele responde. Para o jurista, a tese de que “atos preparatórios” já se configurariam uma tentativa de golpe de Estado não se sustenta.
“Nos crimes de terrorismo está lá a previsão, a criminalização dos atos preparatórios. Isso não aconteceu no Estado Democrático de Direito. […] O epicentro dos defeitos dessa acusação descansam efetivamente na questão da conduta que é imputada a Bolsonaro, numa distorção da forma com que é interpretado tipo penal”, frisou.
Bueno frisou que está comprovado pelas provas levantadas que Bolsonaro, além de “não pretender dar golpe de Estado”, “não teve nenhum intuito em ir adiante com o projeto criminoso apontado na denúncia”. O ex-presidente não deu andamento a nenhum protocolo para se decretar um Estado de Defesa ou de Sítio, como a convocação obrigatória do Conselho da República e nem ao Congresso.
“Não há portanto, então, como sustentar que o referido projeto [plano de golpe], ainda que imaginativo, não tenha ido adiante por fator alheio à vontade do ex-presidente. Ele teria mecanismos para, de fato, conduzir esse suposto projeto. E não fez”, concluiu citando que Bolsonaro fez a passagem de governo inclusive nomeando os comandantes das Forças Armadas indicados pelo governo eleito ao final de 2022.
Bolsonaro responde pelos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
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Além de Bolsonaro, ainda serão ouvidas nesta quarta (3) as defesas dos generais Nogueira e Braga Netto. Mais cedo, a de Heleno também apresentou as alegações, em que chamou Moraes de “juiz inquisidor” por ter atuado como investigador da ação penal. Na véspera, foram ouvidas as defesas de Cid, Ramagem, Garnier e Torres – todos apontaram contradições na delação premiada do ex-ajudante de ordens.
Por outro lado, a defesa de Mauro Cid rebateu as alegações e afirmou que a delação foi validada pela Corte em mais de uma oportunidade, tanto em audiência com o relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes, como pelo plenário da Primeira Turma.
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Um pouco mais cedo, ao chegar no STF, o advogado Celso Vilardi afirmou que fará uma “defesa técnica e bastante criteriosa, e vou responder ao procurador e o advogado do delator [Cezar Bittencourt]”.
* Com informações da Gazeta do Povo.