SC 108: um ano de descaso, transtornos, atrasos e espera

Por Dyovana Koiwaski e Verônica Lemus

 

Resumo

  • Em fevereiro de 2018, a chuva forte causou um deslizamento de terra que destruiu casas e parte da SC-108 em Guaramirim
  • A obra de recuperação demorou para começar, teve a conclusão adiada e, mais recentemente, foi interrompida
  • Após um ano da tragédia, a situação no local não é muito diferente e novos deslizamentos foram registrados

 

Na madrugada do dia 18 de fevereiro de 2019, um barulho forte e assustador avisava em cima da hora que uma tragédia aconteceria naquele instante.

Naquele dia, a chuva forte castigou a região, em especial, Guaramirim. O resultado foi o deslizamento de terra no Morro do Schmidt, no bairro Vila Freitas, que destruiu dez casas e um trecho da SC-108, no quilômetro 35.

A tragédia deixou 60 famílias desabrigadas. Felizmente, não houve vítimas.

Foto Arquivo OCP News

A SC-108 liga, desde a BR-280, a cidade de Guaramirim à Massaranduba e com o Vale do Itajaí. A via, que pertence ao Estado, é muito utilizada para escoamento de produção, transporte médico e de saúde.

A estimativa é de que 14 mil pessoas utilizavam a passagem diariamente, mas, depois de um ano da tragédia, não só os moradores, mas toda a região ainda espera pela recuperação da rodovia.

A cronologia da SC 108

  • No dia 18 de 2019, fortes chuvas causaram um deslizamento de terra que destruiu casas e danificou um trecho da SC-108.

 

  • A rodovia foi interditada, e a Prefeitura declarou situação de emergência.

 

  • A regional Norte do Deinfra apontou que a obra de recuperação seria complexa já que havia riscos de deslizamento também na parte superior da rodovia.

 

  • Pela complexidade da obra, o Deinfra não estimou uma data para o início da recuperação da rodovia.

 

  • Em abril, o governo do Estado anuncia que terá apoio do Ministério do Desenvolvimento Regional, que garantiu o repasse de R$ 3,5 milhões para a obra.

 

  • Em julho, vencidas as etapas burocráticas, é feito o anúncio da empresa responsável pelos trabalhos.

 

  • No dia 13 de agosto, o governador Carlos Moisés visitou o local do deslizamento e confirmou o início das obras.

 

  • 177 dias depois da tragédia, no dia 15 de agosto, os trabalhos começaram.

 

  • Cumprindo promessa, o prefeito Chiodini chegou a ajoelhar e agradecer em oração ao início das obras. Assista ao vídeo:

 

 

  • Mas a alegria durou pouco. No fim do ano passado, o governo anunciava a prorrogação no prazo para conclusão das obras.

 

  • No começo desta no, para minimizar o impacto do fechamento da via, a defesa civil chegou a liberar uma faixa da SC-108 para tráfego (link).

 

  • Quase um ano depois, no dia 5 de fevereiro de 2020, novamente a região é atingida por chuvas e outro deslizamento resulta, novamente, na interdição total da rodovia.

Uma tragédia anunciada

Na época da tragédia, o prefeito Luís Chiodini já falava da sua preocupação com a rapidez da recuperação da estrada, já que um novo período de chuvas que costuma ocorrer nessa época do ano poderia agravar a situação.

Além disso, um laudo de 2009 já apontava riscos nessa região (link). Realizado pela Defesa Civil do Estado, o estudo pedia intervenções no Morro do Schmidt, que fica logo acima da rodovia.

Foto Arquivo OCP News

Segundo o levantamento, eram necessárias ações temporárias e definitivas para a remoção das famílias, com probabilidade de deslizamento devido às construções irregulares da área.

O documento foi elaborado logo após a sequência de chuvas que atingiu a região em 2008 e foi assinado pelo geólogo Normando Zitta Junior.

“A gente pode perceber que a falta de manutenção já vem ocorrendo há anos na SC-108, associado com solos instáveis, isso gerou esse grande deslizamento ali na Vila Freitas”, diz Zitta.

Prejuízo milionário

Um ano depois do deslizamento, sem a recuperação da rodovia, o prefeito de Guaramirim Luís Chiodini avalia que os prejuízos chegam a ultrapassar o valor da obra, de R$ 2,1 milhões.

“Foi um ano de muito sofrimento, de angústia, de perdas e prejuízos imensuráveis. Se fosse pegar o que já foi tido em prejuízo, passa tranquilamente do valor da obra”, diz Chiodini.

A burocracia de todo o processo é outro motivo para revolta, afirma o prefeito, mas para Chiodini, o modo como a situação foi conduzida mostraria também um comodismo por parte do Executivo, ele acredita.

Foto Fábio Junkes/OCP News

O prefeito enxerga alguns erros na atitude do governo do Estado, como também o de não utilizar o decreto de situação de emergência dado ao município na época.

“Por esse motivo nós estamos nos arrastando nesse mar de lamentação. Não só Guaramirim, mas também Jaraguá do Sul, Massaranduba e Blumenau”, avalia.

Chiodini vê descaso na postura do governo com o caso e também com os políticos que representam a região.

“Os deputados federais, estadual, que vão lá pedir, vão solicitar, mas simplesmente ninguém dá ouvidos, tenho acompanhado de perto, sou testemunha disso”, diz o prefeito.

Vítimas do desinteresse

As memórias de uma Vila Freitas antes da madrugada do dia 18 de fevereiro insistem em permanecer vivas nos pensamentos das dezenas de moradores que viviam ali.

Mais forte do que essas lembranças de uma vizinhança amigável, com residências familiares e asfalto novo, estão o som do estrondo provocado pelo deslizamento de terra e cenas de desespero que vieram a seguir.

“O barulho foi alto demais, todos acordaram. Saímos de casa e começamos a contar se todos os vizinhos estavam ali. É um pesadelo que nunca mais vai sair da cabeça”, recorda a aposentada Nadir Pereira Ribeiro, 55 anos.

Gilda e Nadir eram vizinhas antes do desastre | Foto Dyovana Koiwaski/OCP News

Mesmo não sendo atingida pelo desmoronamento, a residência dela foi interditada pela Defesa Civil e Nadir precisou se mudar.

“Deixamos tudo aqui e fomos para o Paraná, onde minha mãe mora. Nos autorizaram a voltar faz pouco tempo, mas fizemos a mudança e não pensamos em voltar”, relata.

Segurança é um assunto que até então, não tinha sido comentado com os moradores. Segundo a cabeleireira Gilda Martinha Nogueira, 58 anos, o local não era considerado uma área de risco quando ela adquiriu o imóvel, 15 anos atrás.

Ela recorda que a casa ficava num ponto plano e com o deslizamento, as outras residências foram parar em cima da dela.

“Eu não estava aqui, fui domingo à tarde para Joinville e como estava chovendo muito, acabei ficando presa lá. Na segunda de manhã todo mundo estava me procurando e achando que eu tinha sido soterrada. Quando cheguei na frente de casa vi ela toda no chão. Eu só tinha a roupa do corpo”, recorda.

Foto Divulgação/Prefeitura de Guaramirim

Depois do episódio, Gilda foi morar com a filha no bairro Rio Branco e com a ajuda de vizinhos, conseguiu uma casa mobiliada para morar. A cabeleira está entre os moradores afetados pelo desastre que recebem aluguel social da Prefeitura de Guaramirim.

“O difícil é que é mais longe, gasto muito com gasolina para ir ao trabalho, ainda mais com a rodovia interditada, preciso dar a volta pela Figueira. A estrada está um caos”, comenta.

Gilda destaca que recebeu a oferta de comprar uma casa pela Defesa Civil, mas além do local ser pequeno, ela não concorda em precisar pagar pelo imóvel. “Tinha duas casas, uma na frente da outra e ficamos na rua. Além de perder tudo, vamos ter que pagar?”, questiona.

Para Maria Aparecida Malinski, 39 anos, os danos causados vão além dos materiais. Depois do deslizamento, ela desenvolveu uma depressão e por conta da doença, foi afastada do trabalho como cozinheira.

“Aquela noite foi terrível. Eu estava com uma amiga em casa costurando e disse pra ela correr porque a casa ir cair, acordei meu marido e saímos. Não deu muito tempo o desmoronamento começou”, conta.

Maria está com depressão após perder a casa no deslizamento | Foto Dyovana Koiwaski/OCP News

Maria morava no local há cinco anos e relembra que os altos volumes de chuva do dia anterior já estavam preocupando o casal, por isso ela permaneceu acordada de madrugada.

“Fico emocionada porque é difícil acreditar que tanto suor para construir nossa casa foi em vão. Não vai ser fácil esquecer”, completa.

As moradoras também reclamam do atraso nas obras de recuperação da SC-108 e da área interditada. “Está cada vez pior. No início falaram que ia ficar mais bonito do que era antes, mas só está mais destruído. Uma obra desse tamanho, só com uma máquina trabalhando”, pontua Nadir.

Famílias ainda recebem aluguel social

O deslizamento ocorrido em fevereiro de 2019 atingiu 12 casas e destruiu seis. A Defesa Civil ainda interditou temporariamente 68 imóveis na Vila Freitas e Morro do Schmidt.

Das famílias que tiveram suas residências tomadas pela lama ou precisaram deixar os imóveis pelo alto nível de risco, 11 ainda recebem o aluguel social, benefício pago pela Prefeitura de Guaramirim.

De acordo com a assistente social Caroline Lutz, na época do desmoronamento, foi aberto o cadastro para os moradores que iriam precisar do benefício.

Cada família pode ganhar até sete Unidade Fiscal Municipal (UFM), no valor de R$ 101. Segundo a assistente social, a Prefeitura paga cerca de R$ 7 mil mensais às famílias que ficaram desabrigadas.

Foto Arquivo OCP News

Uma lei municipal prorrogou por tempo indeterminado o pagamento do aluguel, que antes era válido por apenas seis meses.

O diretor da Defesa Civil de Guaramirim, Ezequiel de Souza, destaca que solicitou 25 kits de casas modulares para o município.

Neste processo, o órgão estadual disponibiliza a estrutura e a Prefeitura fica responsável por encontrar um terreno e fazer a instalação da residência.

Rotas alternativas causam transtornos

Longe da área de desmoronamento na Vila Freitas, os moradores e comerciantes da rua Carlos Oechsler, no bairro Ilha da Figueira, em Jaraguá do Sul, também sentem os efeitos da interdição do quilômetro 34 da SC-108.

O auxiliar de serviços gerais Antônio Meisder, 51 anos, mora com toda a família em uma casa localizada na principal via utilizada como desvio pelos motoristas que precisavam passar pela rodovia estadual.

Segundo Meisder, o barulho de veículos passando pela rua às vezes se estende até às 22h.

Foto Arquivo OCP News

“Morar aqui antes era maravilhoso, mas hoje está insuportável. O vidro da janela trincou pelo balanço da rua. Para sair de carro é complicado pelo movimento e número de buracos que tem agora”, relata.

Durante os dias em que a rodovia foi liberada, do início do ano até o último fim de semana, o auxiliar observa que “conseguiu dormir melhor e mais tranquilo”, já que o trânsito foi amenizado.

Os próximos capítulos

Agora, a Defesa Civil do Estado aguarda a melhora no tempo para continuar a obra. Em nota, o órgão diz que os índices pluviométricos registrados na última semana em Guaramirim e região não afetaram a obra, que apresenta estabilidade.

Como as atividades desempenhadas no local são de terraplanagem e reaterro, os serviços foram interrompidos em função da chuva.

“Demais serviços estão sendo realizados pontualmente, porém as atividades de terraplanagem demandam tempo bom e estável, situação que só ocorrerá após dois ou três dias sem chuva”, diz a Defesa Civil.

Foto Fábio Junkes/OCP News

Segundo a nota, o novo deslizamento na SC-108 causou danos em um ponto muito próximo ao local onde será instalada a contenção superior da rodovia.

“A situação está sendo avaliada, porém ainda não foi definido se poderá sofrer uma intervenção junto com a obra já contratada ou se necessitará de outro tipo de contenção”, diz a nota.

OCP dá voz para a comunidade

Nos 12 meses que seguiram o deslizamento de terra que destruiu casas e parte da SC-108, o OCP cobriu o desenrolar da história, acompanhando todas as etapas burocráticas que, infelizmente, ainda não tiveram fim.

Veja algumas das capas do O Correio do Povo que trataram da rodovia:

Foto Reprodução OCP News

Em editorial publicado na edição impressa do jornal neste fim de semana, 14 e 15 de fevereiro, o OCP reafirma o seu compromisso em colaborar com o desenvolvimento econômico e social da região abraçando as pautas que movem a comunidade. Confira:

Na condição de veículo de comunicação mais antigo em circulação do nosso estado, O Correio do Povo jamais se furtará da função de porta-voz sobre as demandas que impactam o desenvolvimento de nossa comunidade regional.

 

Dentre tantas causas já defendidas, sejam elas sociais, culturais, políticas ou econômicas, nossos esforços de cobrança e mobilização social, concentram-se, agora, sobre a letárgica recuperação da rodovia SC-108.

 

Há um mês, publicávamos, nesse espaço, um editorial intitulado, “SC-108: coma de 1 ano com efeitos colaterais e sequelas”.

 

Acreditávamos na reversão do como. Sugeríamos que o processo de recuperação daquela rodovia poderia ser, figurativamente, comparado a uma paciente que, tragicamente, teria entrado em coma profundo.

 

Estava prestes a despertar do distenso coma, mas apresentaria efeitos colaterais e, além do mais, haveriam sequelas.

 

Na ocasião, um esperançoso estímulo foi aplicado à paciente. A mobilização de entidades organizadas e população, ocorrida no local, mostrou sinais de que o como seria revertido. Alarme falso.

 

Entramos no segundo ano de coma, e o tratamento letárgico e ineficiente nos impõe sérios danos. Nossas vias adjacentes, por conta dos desvios, seguem sofrendo desgastes, necessitando de investimentos para os devidos reparos.

 

As perdas de caráter econômico e social da região, jamais serão recuperadas.

 

Repetiremos quantas vezes for necessário que, figurativamente, o ‘hospital’ em que se trata essa paciente, chama-se ‘estado’. Logo, um hospital emperrado pela burocracia, moroso, ineficiente e negligente.

 

O ‘boletim’ continua nos apontando que o histórico dessa paciente, é um retrato fiel do senso de urgência que o estado dedica a quem produz e arrecada para esse mesmo estado. Um lamentável paradoxo. Voltaremos ao tema.

 

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