Prática do tiro esportivo estimula tradição, cultura e rendimento de atletas em Jaraguá do Sul

Por: Natália Trentini

14/05/2022 - 07:05

Há mais de um século, a prática do tiro desembarcou no Brasil junto com imigrantes europeus. Atravessando as décadas desde a fundação da Sociedade de Atiradores de Jaraguá, a Schützenverein, em 1906, essa atividade se tornou símbolo de cultura e esporte para Jaraguá do Sul e região.

Segundo a historiadora e chefe do Arquivo Histórico de Jaraguá do Sul Eugênio Victor Schmöckel, Silvia Kita, as corporações de atiradores remontam da Europa do século 16, tendo na época a finalidade de defesa e proteção de territórios em período de guerra. Mas pouco a pouco o caráter esportivo foi ficando mais forte.

“Além das disputas internas de cada sociedade, também foram com o tempo realizando disputas entre as sociedades locais e depois regionais”, comenta Kita. “O tiro esportivo se consagrou como tradição cultural germânica, e sua prática sempre esteve associada a este patrimônio cultural”.

Na região, a prática faz parte da rotina de 17 clubes de atiradores. Segundo o presidente da Associação de Clubes e Sociedade de Tiro Vale Itapocu (ACSTVI), Luiz Carlos Bierende, as competições entre as sociedades movimentam uma tradição que sobrevive ao tempo, integrando gerações.

“É gostoso, é um tiro esportivo que reúne atiradores nas sociedades, em uma competição saudável que vai do vovô até o netinho. Famílias todas por um esporte, mantendo viva a tradição e a cultura”, comenta.

ACSTVI na Schutzenfest de 2021 I Foto Arquivo OCP News

A importância histórica

Segundo a historiadora Silvia Kita, a prática do tiro esportivo tem sua importância na manutenção das tradições dos imigrantes alemães, que envolve o tiro, a gastronomia, a música, a vestimenta, o idioma e a dança.

“Uma festa de atiradores inicia com a marcha em busca do atirador, na recepção festiva, na disputa do tiro para consagrar as novas majestades do tiro, e na festa comemorativa, com danças típicas e música. Tudo regado a muita comida e bebida típica”, explica.

Segundo ela, essa manifestação faz parte do contexto cultural dos imigrantes alemães e hoje é patrimônio cultural catarinense.

“Quem visita nosso município e observa nosso calendário cultural, percebe que todos os finais de semana temos pelo menos uma festa de atiradores ocorrendo, em uma de nossas sociedades. Hoje temos 14 sociedades atuantes no município”, ressalta Kita.

Toda essa movimentação anual das sociedades de tiro culmina na Schützenfest, a maior Festa de Atiradores fora da Alemanha. Nela são agregados todos os aspectos da tradição das sociedades. Para ela, a festividade fez a essa cultura expandir horizontes, pontua a secretária de Cultura, Esporte e Lazer (Secel), Natália Petry.

Schützenfest é estímulo para esporte chegar a comunidade I Foto Arquivo OCP News

“Com o advento da Schützenfest, essa prática passou a ser vista não só nas sociedades, mas caiu no gosto da população, inclusive de fora da etnia germânica. Não só com o tiro, propriamente dito, mas de todo o contexto cultural que isso envolve. A prática do tiro tem a sua importância, mas ela faz parte de todo esse cenário cultural muito mais abrangente”, reforça.

Além da tradição, um esporte

Sumidade quando se trata de tiro esportivo, o medalhista e hoje coordenador da equipe de tiro esportivo de Jaraguá do Sul, Samuel Lopes, ressalta o quanto a tradição do tiro esportivo tornou essa modalidade esportiva tão bem sucedida na cidade e no Estado.

Além das competições tradicionais entre sociedades, existem aproximadamente 40 atletas que participam atualmente de torneios do campeonato catarinense, Jogos Abertos, Campeonato Brasileiro e eventualmente atendendo a alguma convocação para campeonatos internacionais com a seleção brasileira.

Samuel Lopes compartilha experiências com novos atletas I Foto Arquivo OCP News

“Nossa equipe de Jaraguá do Sul de armas longas é 12 vezes campeã dos Jogos Abertos, somos a modalidade com mais títulos do município em uma competição da Fesporte, além de dezenas de medalhas em todos os eventos, campeões catarinenses”, descreve. “Somos uma equipe vista com muito respeito e importância diante das outras equipes por todo esse trabalho.”

Apesar da força da tradição ser um estímulo para o alto rendimento dessa prática em Jaraguá do Sul e região Sul do Brasil, a secretária de Esporte, Cultura e Lazer (Secel) Natália Petry, destaca que o tiro esportivo vai além da relação cultural.

“O tiro esportivo é um esporte Olímpico, praticado no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde o campeão brasileiro e medalhista olímpico, é um atleta paulista. Portanto, como esporte, o tiro esportivo extrapola o âmbito da tradição germânica”, diz Petry.

Equipe jaraguaense no Campeonato Catarinense de Tiro Esportivo em 2021 I Foto Divulgação

Equilíbrio mental e emocional

Samuel Lopes tem mais de 30 anos no esporte, tendo participado de competições por todo o mundo, sendo membro da seleção brasileira de tiro esportivo e estado como um dos melhores atiradores do Brasil, experienciando o esporte em seu mais alto nível. Toda essa experiência ele compartilha com os atletas que desejam se aperfeiçoar nessa prática.

“O tiro esportivo é um esporte como qualquer outro, então praticar um esporte tem muitos benefícios envolvidos. É algo que só tem coisas positivas, e nada negativo”, comenta. “No caso específico tiro esportivo, a gente tem o equilíbrio emocional, o controle da mente e do corpo, porque temos uma série de movimentos para ter esse controle; auto concentração, foco, autodisciplina. Ele é um esporte mais mental do que físico. Mas é questão de dominar a mente, e consequentemente o seu corpo para uma prática de excelência”.

Por intermédio do programa Bolsa Atleta, a Secel mantém Samuel como coordenador para a modalidade, investe auxiliando em despesas de viagens para participação de campeonatos, alimentação, taxas de inscrições, entre outros. Atualmente, também está em processo licitatório o Stand de Tiro do Município, que terá padrões internacionais, possibilitando a realização de todos os níveis de competições.

Segundo Lopes, existe um preconceito porque envolve armas, mas ele ressalta que nesse contexto a arma se torna um artigo esportivo, assim como o automobilismo tem carros.

“Eu considero a arma um artigo esportivo para a nossa prática, de forma alguma um atleta de tiro pensa com violência, ou em qualquer outro uso que não seja o aperfeiçoamento da sua capacidade”, afirma. “O tiro esportivo merece respeito por tudo aquilo que ele conquistou”.

Tiro esportivo nas Olimpíadas

A primeira medalha olímpica brasileira, conta Samuel Lopes, foi justamente no tiro esportivo, obtida pelo atleta Guilherme Paraense em 1920, na Bélgica. Ele era natural de Belém e competia pelo Rio de Janeiro, onde foi militar do Exército Brasileiro.

Referido pela secretária Natália Petry, Felipe Almeida Wu é um atirador esportivo e medalhista olímpico brasileiro, neto de chineses e natural de São Paulo. Nos Jogos Olímpicos de 2016, ele conquistou a medalha de prata na prova de tiro esportivo na categoria pistola de ar de 10 metros.

Uma prática aberta a todos

Quem tiver interesse em aprender essa modalidade esportiva, precisa se associar a alguma das dezenas de sociedades de atiradores que existem em Jaraguá do Sul. Existe um acompanhamento para obtenção de todas as licenças para obter o equipamento esportivo e suporte no treinamento da mira.

As sociedades competem nas principais modalidades: tiro seta, chumbinho e a carabina 22. Segundo o presidente da ACSTVI, Luiz Carlos Bierend, na modalidade 22 é preciso ter um certificado de Registro no Exército Brasileiro.

Segundo Lopes, o treinamento esportivo também busca estimular e abrir horizontes, mostrando que, assim como ele pode conhecer o mundo praticando tiro esportivo, outros jovens também podem alcançar excelência na prática. “Um cara aqui de Jaraguá do Sul, uma cidade considerada do interior, obteve tantos resultados importantes assim. Isso acaba também trazendo um reflexo”, finaliza.

 

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