Morte por falta de medicamento traz o debate sobre judicialização

Por: Elissandro Sutil

13/03/2018 - 06:03 - Atualizada em: 13/04/2018 - 16:36

A morte do empresário de Guaramirim Claudio Danilo Rubini Maluta, de 49 anos, no fim de fevereiro, reacende o debate necessário sobre a judicialização da Saúde no país. Taio, como era conhecido, foi diagnosticado em 2014 com HPN – forma rara de anemia hemolí- tica adquirida, que destrói as hemácias – e ganhou na Justiça o direito de receber a medicação – de alto custo – para o tratamento. Por diversas vezes, a entrega do medicamento foi atrasada. Na última vez, com quase seis meses de atraso, Taio infelizmente não resistiu à espera e morreu.

Desde que descobriu a doença, Maluta chegou a tentar diversos tratamentos, mas nenhum trouxe resultados. Foi então que o empresário recebeu a orientação para buscar na Justiça o acesso ao Soliris, indicado para o HPN (Hemoglobinúria Paroxística Noturna). As primeiras doses do medicamento custavam cerca de R$ 22 mil cada. Para o caso dele eram necessárias seis doses mensais do remédio, resultando em um tratamento de alto custo mensal.

O empresário ganhou a ação na Justiça, na segunda e terceira instâncias, em meados de julho de 2015, quando recebeu as primeiras doses. “Quando ele ganhava a medicação, nem parecia que tinha a doença. Ele estava mal num dia, aí recebia o medicamento e no mesmo dia parecia outra pessoa. Podia fazer um exame que ninguém ia pensar que ele tinha alguma doença”, relata a viúva Jani. Ela destaca que o Soliris não tem o mesmo efeito para todos os pacientes, mas que para o caso do marido o medicamento tinha bons resultados.

Desde o início do tratamento, no entanto, a entrega do medicamento foi interrompida por diversas vezes, ficando, dois a três meses sem receber, lembra Jani. A cada atraso, a família acionava a Justiça para que o Ministério da Saúde – responsável pelo fornecimento dos medicamentos de alto custo para doenças raras – fizesse a entrega do medicação. Em outubro de 2017, o fornecimento da medicação foi interrompido novamente, com pioras dos exames e retorno dos sintomas da doença.

No fim do ano passado, conta a viúva, a família entrou com nova petição judicial, que resultou em janeiro deste ano em uma decisão da Justiça determinando a entrega imediata da medicação, sem possibilidade de esperar por novos prazos para o fornecimento. Jani relata que a família também tentou comprar o medicamento, por diversos meios: diretamente com o laboratório, fora do Brasil e chegou até a considerar uma mudança para a Itália, país que fornece o medicamento a quem tem cidadania. No entanto, as tentativas não deram certo, principalmente pela burocracia que demandaria ainda mais tempo.

Em janeiro, a saúde do empresário foi ficando mais comprometida. No mesmo mês, ele precisou ser internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital da Unimed, em Joinville e desde então não teve mais condições de voltar a sua vida normal. Em fevereiro, foi internado gravemente, apresentando quadros de aneurisma de aorta. No dia 10, passou por cirurgia para tratar do aneurisma, permanecendo na UTI, sedado e respirando por aparelhos. No dia 13, teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral). No dia 21, ele morreu.

Falha na política nacional de atendimento a doenças raras

O caso do empresário de Guaramirim é um dos milhares de casos de brasileiros que recorrem à Justiça para conseguir um tratamento médico, seja uma medicação, procedimento ou exame. A situação de Claudio Maluta, no entanto, é mais particular porque envolve doença rara. A dificuldade no tratamento dessas doenças é justamente a raridade com que elas aparecem na população.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças raras são aquelas que atingem até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Conforme o médico geneticista Salmo Raskin, em artigo à revista Veja, não há dados epidemiológicos sobre a incidência dessas doenças no Brasil. No entanto, com base em números de países que têm esses dados, as doenças raras afetam cerca de 5% da população, o que leva a uma estimativa de que 10 milhões de brasileiros tenham alguma doença rara.

Pela menor demanda, os remédios para as doenças raras costumam custar caro e há pouco interesse no desenvolvimento de novas medicações, já que os investimentos necessários desde a produção até a comercialização dificilmente seria recuperado pelas vendas previstas para o medicamento. É por esse motivo, explica Raskin, que tais medicamentos são chamados de órfãos. “Em condições normais de mercado, a indústria farmacêutica tem pouco interesse em desenvolver e comercializar medicamentos destinados apenas a um pequeno número de doentes”, ressalta.

Para o médico, entre outros problemas a serem enfrentados – sobretudo pelo poder público no sentido de promover uma melhora no diagnóstico e outras formas de tratamento para além da medicação -, falta colocar em prática a política nacional de atendimento a doenças raras no âmbito do SUS. Duas portarias, informa Raskin, já foram publicadas pelo Ministério da Saúde nesse sentido, contudo, nunca saíram da gaveta.

Além disso, o Ministério também estaria procrastinando a elaboração de Protocolos e Diretrizes Clínicas (PCDTs) para atendimento das pessoas com doenças raras, “incentivando, dessa forma, ainda mais a judicialização, pois sem protocolos os medicamentos não podem ser incorporados nem distribuídos no SUS”, observa o médico.

De acordo com manifesto da Associação Catarinense de Doenças Raras (ACDR) de doenças raras, lido durante o 6º Fórum Catarinense de Doenças Raras, em fevereiro na Assembleia Legislativa (Alesc) – a interrupção total no fornecimento de medicamentos de alto custo para o tratamento de doenças raras pelo Ministério da Saúde, desde outubro de 2017, tem precipitado a morte de pacientes. Claudio Maluta foi um deles.

Na semana passada, o Ministério da Saúde, em seu portal de notícias, afirma que está buscando a solução para o impasse jurídico na compra de medicamentos para doenças raras. Segundo o governo, o processo para compra dos medicamentos Soliris, Fabrazyme, Myosyme e Aldurazyme, alega o governo, foi paralisado em sua fase final “porque a distribuidora vencedora teve a licença de importação negada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para entregar produtos registrados pela própria agência”, diz o governo.

Durante audiência no Senado Federal no dia 7 de março, o ministro Ricardo Barros declarou que a definição de um único distribuidor configura monopólio e contraria a lei de licitações. O Ministério afirma ainda que não houve interrupção na oferta de medicamentos via ação judicial e que em 2017 destinou R$ 1 bilhão para a compra de produtos judicializados.

O OCP questionou, por e-mail, o Ministério da Saúde, sobre o caso do empresário Claudio Maluta, nesta segunda-feira (12), mas não recebeu resposta até o fechamento da edição.