Nos fundos de uma casa no bairro Jaraguá Esquerdo, uma oficina mecânica é palco do encontro entre experiência e inovação. O negócio, que começou nas mãos do mecânico Bernardo Raboch, hoje com 74 anos, é agora dividido com outro Bernardo, o filho, responsável por tocar o negócio da família. Diariamente, os dois dividem a demanda de trabalho, sempre mantendo a troca de conhecimentos que representa o diferencial do negócio. Por lá, o aprendizado é uma via de mão dupla.
Atuando a 53 anos no segmento, Raboch já passou por diversas oficinas até chegar no negócio próprio. Por isso, na rotina de reparo e manutenção de veículos, ele fica com os modelos antigos e o filho cuida dos mais novos. “Na mecânica você não para de aprender, as coisas sempre mudam e você aprende no dia a dia”, afirma.
Aposentado desde 1997, Raboch continuou a atuar no mercado de trabalho como uma alternativa para aumentar a renda da casa. Ao mesmo tempo, ele dá continuidade à profissão que aprendeu a admirar com o tio e que foi abraçada pelo filho. “Aprendi tudo sobre mecânica e comecei a atuar nesse ramo com o meu pai. É importante ter ele aqui porque a sua experiência contribui para o trabalho” diz Bernardo Filho, com orgulho.
Fato é que, assim como Raboch, cada vez mais profissionais devem permanecer no mercado de trabalho depois de aposentados nos próximos anos. Para se ter uma ideia, um estudo realizado pela Pice Waterhouse Cooper (PwC) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que, em 2040, 57% da força de trabalho brasileira será formada por profissionais com mais de 45 anos.
Essa mudança no perfil é reflexo direto do envelhecimento da população brasileira. Segundo estimativa do IBGE, o número de habitantes com mais de 60 anos duplicará no Brasil nos próximos 30 anos, chegando a 30% da população. O mesmo se repete no cenário global. Baseado nisso, a consultoria PwC avalia que não só as empresas precisarão criar políticas mais eficientes voltadas aos profissionais maduros, como os modelos de negócios tendem a se readequar devido às mudanças comportamentais e nas ambições de carreira.
Perfil do mercado já começa a mudar, dizem especialistas
Ainda que lentamente, o perfil do mercado começa a sofrer mudanças. Segundo a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Santa Catarina (ABRH-SC), Tetê Barbeta, muitas empresas têm voltado seus olhos para a busca e retenção desses profissionais, especialmente quando o negócio passa por uma fase que necessita de maturidade nas decisões e ações.
“A estimativa de vida é maior hoje, os profissionais maduros estão ativos para liderar ou executar projetos que podem alavancar resultados. O que normalmente difere estes profissionais é que eles possuem experiências que os deixam confiantes em tomadas de decisões”, analisa a especialista.
De acordo com a coordenadora de seleção de uma empresa de recrutamento de Jaraguá do Sul, Maria Elisabet, é preciso ter em mente que um profissional veterano vivenciou mudanças no mercado, o que também lhe permite ter uma visão diferenciada. “Uma pessoa mais velha tende a conseguir trabalhar melhor com situações de conflito, por já ter atuado com muitas pessoas e culturas diferentes. Elas costumam ter visões diferentes da vida, do trabalho, de comprometimento”, destaca a especialista, que atua na área há 37 anos.
Experiência distingue profissionais maduros
Acordar cedo de segunda a segunda não é uma tarefa difícil para a aposentada Onilda Soares dos Santos, de 64 anos. Muito pelo contrário. É com alegria que ela madruga diariamente para chegar às 7 horas em ponto no restaurante onde trabalha. Seu tempero e o cuidado com que prepara os alimentos são marcas registradas do estabelecimento, que desde que abriu as portas, em 1975, conta com os serviços da cozinheira.
Além de deter muito conhecimento sobre a arte de cozinhar, Nilda, como é chamada, aproveita para aprender e compartilhar o que sabe com os colegas. É justamente essa característica que motiva as empresas a reterem profissionais veteranos: segundo pesquisa da PwC, 94% dos executivos consideram a transmissão de experiência e de conhecimentos como o lado mais positivo da contratação de profissionais maduros.
Onilda dos Santos integra a cozinha desde a abertura do restaurante e não pensa em parar de trabalhar tão cedoOnilda dos Santos integra a cozinha desde a abertura do restaurante e não pensa em parar de trabalhar tão cedo
Mesmo depois de aposentada, Onilda faz questão de continuar trabalhando. “Parar de trabalhar não dá porque eu vou ficar em casa fazendo o quê? Enquanto tiver saúde continuarei aqui trabalhando porque me sinto bem, somos todos uma família”, diz. A aposentada, natural de Palmeiras e há 39 anos em Jaraguá do Sul, acompanhou o surgimento do restaurante e faz parte da história da família Pavanello, já que veio para a cidade com eles. “Quando me aposentei, eles ainda precisavam do meu serviço e eu deles porque só com o salário da aposentadoria não dá para viver, por isso decidi ficar. Faço tudo com amor e carinho, como se isso fosse meu”, revela.
Para ela, o fato de estar trabalhando vai além do ganho financeiro. “Eu gosto de me manter ativa e isso gera saúde para o corpo todo. Além do mais, quando as coisas são feitas com carinho, são bem feitas e trazem felicidade, não só no ramo profissional”, afirma.
Envelhecimento da população é um dos motivos para reforma da previdência
A reforma da Previdência, que está em fase final de discussão antes de ser enviada ao Congresso Nacional, sugere algumas alterações para concessão da aposentadoria. O assunto é extenso, mas uma das variáveis para essa revisão é o envelhecimento da população, o que faz com que seja necessária a revisão das idades para obtenção do benefício.
De acordo com a advogada Deborah Gumz Lazzaris Pinto, os principais pontos apontados até então da reforma previdenciária devem ser o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, a equiparação do tempo de contribuição exigido para a aposentadoria das mulheres, atualmente inferior ao tempo de imposto ao homem, e a unificação dos regimes previdenciários de trabalhadores rurais e urbanos, bem como entre servidores públicos e iniciativa privada, além de algumas alterações na forma do cálculo do benefício. “Estas alterações sugeridas podem exigir do trabalhador que se aposente mais tarde, com o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição e aumento do tempo de contribuição exigido”, diz.
Ela acredita que essas mudanças sejam necessárias devido à situação financeira do país e também diante do envelhecimento da população. “Isso influencia criando um impacto grande nas contas públicas e por esta razão busca-se um planejamento para que a Previdência Social se torne sustentável”, afirma.
Atualmente, o processo de aposentadoria é conduzido pelo cumprimento de requisitos dispostos em lei que concede ao cidadão diversos tipos de aposentadorias, como por idade, por idade da pessoa com deficiência, por tempo de contribuição, por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, por tempo de contribuição do professor, por invalidez, especial por tempo de contribuição.
Mistura de gerações enriquece o ambiente de trabalho
Conforme a coordenadora de seleção, Maria Elisabet Mattedi, a convivência entre diferentes gerações pode ser extremamente positiva para as empresas, ajudando no equilíbrio entre a inovação e a maturidade. “As pessoas mais velhas podem ajudar na orientação dos profissionais jovens, mostrando o melhor caminho. Pessoas mais velhas tendem a ser mais resilientes, até pelas mudanças que passaram, essa troca é muito rica”, avalia a especialista.
Para presidente Tetê Barbeta, da ABRH-SC, o mais importante é que o gestor saiba avaliar o profissional sempre pelo seu desempenho e competências, e não pelo quesito de idade, já que todo o profissional pode ter algo a acrescentar no cotidiano do negócio. “O profissional jovem quer estar em ambientes que possam experimentar novas idéias. Ele quer gostar do que faz. Já o profissional mais maduro, além de buscar a cultura da felicidade, quer sentir-se útil e enxergar a evolução da empresa com suas contribuições. Transparência, reconhecimento das conquistas e confiança são fatores fundamentais para extrair o melhor de suas equipes, independente da idade”, ressalta.
Permanecer no mercado de trabalho pode ser difícil
Apesar de oferecerem uma vasta experiência, a recolocação no mercado ainda é difícil para profissionais com muitos anos de estrada. Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria PwC no ano passado, a maioria dos executivos brasileiros não vê os profissionais maduros como uma alternativa para lidar com a escassez de talentos qualificados. E esta postura ainda é sentida na pele por muitos profissionais.
É o caso do vendedor Luiz Carlos Fernandez, 54 anos, que apesar dos quase 30 de experiência na área comercial não consegue ingressar no mercado de trabalho local. Morador de Jaraguá do Sul desde 2011, Fernandez já atuou como autônomo, prestando serviços de vendas externas, mas teve seu trabalho afetado pela retração da economia. Desde então, enfrenta as dificuldades de ser um profissional maduro, com muito conhecimento, mas sem espaço para demonstrar sua qualificação.
“Eu percebo que no Brasil, quanto mais velho, pior. Parece que em termos de mercado, a experiência não ajuda. Diziam que eu ganhava muito, então minha proposta foi diminuir o salário, mas já escutei muito o próprio entrevistador dizer que eu não iria aceitar a proposta”, relata. “O maior medo das empresas é que por ter maturidade a pessoa não aceite certas regras. Acho que tem que mudar essa opinião. Pessoas mais experientes podem contribuir de uma forma mais ampla, porque não é só o lado profissional, a experiência de vida também conta”, acredita.
Conforme a coordenadora de seleção da uma empresa de recrutamento, Maria Elisabet Mattedi, a procura por oportunidades de trabalho é relativamente grande entre profissionais na faixa de 50 e 55 anos. Entretanto, a dificuldade de recolocação se deve mais pelas poucas oportunidades de trabalho, do que pela restrição de idade, afirma a especialista.
Já na faixa a partir dos 60 anos, em sua maioria composta por pessoas aposentadas, a procura por vagas de emprego é extremamente baixa. “É mais comum que estas pessoas optem por algum trabalho ou atividade informal”, avalia.