Jovem jaraguaense conta como foi a experiência de viver na África durante a pandemia

Pessoa negra de camisa azul e pessoa branca

Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Por: Elissandro Sutil

28/10/2020 - 13:10 - Atualizada em: 29/10/2020 - 08:37

É difícil para muitos imaginar uma vida sem wi-fi em casa, ou ter de lavar as roupas a mão, ou mesmo frequentar uma escola onde a palmatória ainda seja usada como método de punição.

Mas foi exatamente assim que a estudante jaraguaense Julia Nogath, 18 anos, viveu durante 9 meses, após embarcar para a Nigéria.

Intercambista do Rotary Club, Julia, que poderia ter optado por destinos populares, conta que já tinha vontade e curiosidade de conhecer lugares mais exóticos, aqueles que jovens da idade dela não costumam escolher.

A estudante embarcou para o país no dia 19 de outubro de 2019 e retornou ao Brasil em julho de 2020, em plena pandemia do novo coronavírus.

 

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Ela conta que já tinha o continente africano em mente, especialmente a África do Sul, mas não havia vaga. Quando apareceu a Nigéria como opção, insistiu para os pais autorizarem.

“Depois de três dias de muita reflexão, eles permitiram. Comecei a pesquisar, me inteirar da cultura e fui preparada para viver em uma realidade totalmente diferente da vivida aqui no Sul do Brasil”, explica.

Choque cultural

Trânsito e pessoas aglomeradas

Mercadão (E) e caminhada da campanha End Polio Now, com o Rotary no dia 23 de outubro de 2019 | Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal

Com o intercâmbio de jovens pelo Rotary, é necessário imergir na cultura do país em que o estudante vai residir, frequentar escola, fazer parte de uma família e aprender o idioma falado no lugar.

Julia aprendeu o inglês e um pouco de igbo, língua nativa, e morou com duas famílias.

“Nas primeiras semanas, o choque cultural foi maior, vi muita pobreza, crianças pequenas trabalhando no sol quente. Nos primeiros meses eu ficava triste e com dó, e aos poucos me adaptei com situações parecidas”, revela.

Adaptar-se à cultura, costumes e rotina não foi fácil. A comida, muito apimentada, fazia com que passasse mal do estômago.

Foi necessário aprender a tomar banho de balde, já que não havia chuveiro elétrico. Aproveitar os horários que tinha luz, controlar o uso da internet – em casa não havia wi-fi – também foram desafios.

Natal longe da família

Mulher de vestido e lenço no cabelo e cabelo trançado

Julia indo à missa no dia do Natal (E) e com o cabelo trançado durante a aula | Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal

Entre os momentos mais marcantes, Julia cita o Natal, passado junto a crianças vizinhas da casa na Vila em que permaneceu durante o feriado.

Ela destaca que já estava com saudade da família e passar o período favorito do ano longe de casa não foi fácil. A jaraguaense conviveu com aquela comunidade por uma semana.

“Aprendi tanto nesse tempinho. Eles eram tão simples, tão ingênuos e felizes. Mesmo tendo uma vida de grandes dificuldades, as pessoas mais carentes eram as mais sorridentes, e essas crianças eram exatamente assim”, recorda.

A experiência, destaca Julia, mudou a forma como ela vê o mundo. A jovem acredita que esteja mais forte para encarar os desafios daqui para frente.

“Quando eu falo que lavava minhas roupas à mão, parece algo simples, mas na verdade não era, eu não sabia lavar, algumas vezes chegava a abrir feridas nos dedos por conta de esfregar tanto as roupas”, diz.

Uso da palmatória

Na escola que frequentava, havia o castigo da palmatória, algo normal para os alunos nigerianos, mas que para a estudante brasileira está totalmente fora da realidade.

Por ser branca e estrangeira, Julia não apanhou, mas, quando os castigos eram aplicados, ela diz que virava o rosto para não ver.

Sobre a política local, a jaraguaense conta que a corrupção é uma chaga na sociedade nigeriana, assim como no Brasil.

“Lá, a polícia é corrupta, assim como os governos. É possível perceber pela fala do povo o quanto isso traz dor e sofrimento”, observa.

“A Nigéria tem a maior economia da África, está entre os 10 maiores produtores de petróleo do mundo e a falta de administração e a corrupção acabam com a vida das pessoas”, completa.

Para as comunidades nigerianas, saneamento básico é luxo. Na casa da segunda família que a hospedou não havia água encanada – um caminhão pipa abastecia uma grande caixa d’água.

“Coleta de lixo, então, nem pensar. Abrir a janela do carro e jogar o lixo para fora é normal. Tive discussões com meus host brothers [irmãos anfitriões] sobre isso”, afirma.

Chegada da pandemia

Crianças nigerianas e mulher enrolada com a bandeira do Brasil

Julia permaneceu quatro meses aguardando uma forma de sair do interior da Nigéria, já que por terra é extremamente perigoso | Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal

Dos primeiros casos, na China, ao agravamento da situação no Brasil, Julia viveu a pandemia do novo coronavírus no exterior. Segundo contou, não havia como voltar para casa.

Por isso, ficou quatro meses aguardando uma forma de sair do interior da Nigéria, onde não é possível circular por terra, pois há muitos sequestros e assaltos. A estudante, então, esperou os aeroportos abrirem.

Assim que isso aconteceu, rumou para a cidade nigeriana de Lagos, e com o suporte do consulado brasileiro aguardou o voo de repatriação.

“Senti muito medo e minha família também. Imagina ficar doente longe da sua família e em um país onde não há condições de tratamento? Procurei me isolar e me alimentei bem para manter minha saúde”, revela.

A jaraguaense conta que o povo nigeriano não acreditava na pandemia. Diziam que lavar as mãos, passar álcool e usar mascara são “frescuras de estrangeiros”.

“Eles passaram por muitas pandemias, o ebola judiou muito do continente todo, e mesmo assim ninguém parou. Por isso, para eles, parar pela Covid-19 parecia não ter lógica”, salienta, acrescentando que muitos disseram que morrer devido à doença seria preferível a morrer de fome.

Desigualdade social

Julia destaca ter visto um povo judiado pela fome, pela gritante desigualdade social que separa ricos e miseráveis, pela malária extremamente comum e pela falta de perspectiva no futuro.

“Voltei ainda mais grata pela minha família, grata por ser brasileira e poder dizer o que penso. Hoje consigo ver o mundo de possibilidades que existem”, salienta.

“Se eu iria novamente? Com certeza, conheci pessoas que jamais esquecerei, falo toda semana com minha segunda família, digo que tenho uma mãe na África também”, completa.

A estudante agradece ao Rotary Internacional e ao Rotary Club de Jaraguá do sul pela oportunidade.

 

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