OCP nos bairros: Três Rios do Norte deve deixar cenário agrícola em pouco tempo

A intensa construção contrasta com o cenário rural do bairro | Foto: Eduardo Montecino/OCP News

Por: Elissandro Sutil

25/10/2018 - 05:10

De um lado, o verde da grama serve de pano de fundo para um belo cenário ao mesmo tempo em que alimenta o gado que se aglomera em grupo em pontos dos pequenos vales do bairro.

De outro, as placas de “vende-se” e de “imobiliárias” se multiplicam, assim como os loteamentos que, nos últimos anos, explodiram no bairro.

Ainda é bastante visível a mescla entre o agrícola e o urbano e, conforme explica Luís Fernando Marcola, diretor do Instituto Jourdan, a tendência é que a migração da realidade agrícola para a urbana se acelere.

“Existe ainda uma capacidade de expansão urbana considerável naquele bairro e a tendência é, de fato, migrar da questão agrícola para a urbana”, afirma.

Marcola destaca ainda a importância da obra de duplicação da BR-280 para o bairro e para toda a região, uma vez que o contorno  passa pelo bairro Amizade, vizinho do Três Rios do Norte.

“Temos que levar em consideração que o contorno da BR-280 vai passar por ali, o que significa que o acesso fica melhorado”, explica.

O diretor do Instituto destaca que, na última década, mais da metade dos novos loteamentos aprovados no município estão no bairro ou na região – e os que estão pendentes de aprovação também. Marcola ressalta ainda o perfil do bairro e a nova configuração de serviços básicos que deve se alterar com o crescimento tão latente.

“Não é uma área de vocação industrial, é mais residencial e de prestação de serviços, de comércio. E, claro, com o crescimento, naturalmente há a questão de ampliação do setor de serviços”, diz.

Se a expansão imobiliária é a tendência, naturalmente a população do bairro deve multiplicar nos próximos anos. Em 2010, segundo o último Censo divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Três Rios do Norte tinha pouco mais de 3,8 mil habitantes, a maioria de homens.

Bairro preserva segurança e tranquilidade

De fala rápida e sotaque arrastado que denuncia a origem alemã, a aposentada Hildagard Stein Krueger tem 72 anos e cada um deles foi vivido no mesmo endereço, em Três Rios do Norte.

Cercada pelos filhos, genros e netos, todos morando no seu entorno, Hildegard não dispensa o cuidado com os animais e com a plantação de banana e aipim que mantém do outro lado da rua.

Hildagard vive há 73 anos no mesmo lugar e destaca a tranquilidade do bairro | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Com mais de sete décadas de “experiência” com o bairro, a aposentada destaca o quanto ele mudou, especialmente nos últimos anos. Para ela, o que mais demonstra essa mudança é o comportamento dos moradores que era mais “amistoso” quando Hildagard era jovem.

“Nem tem comparação, antes passávamos horas conversando uns com os outros na casa de alguém, hoje em dia o pessoa nem quer conversar mais”, pontua.

Quando criança, destaca a aposentada, que mora próximo a rua Augusto Schwarz, eram poucas as residências que povoavam a localidade.

“Não tinha nem 10 famílias por aqui quando eu era criança. Todo mundo foi envelhecendo, os filhos e netos ficando, os novos chegando e a comunidade aumentando. Hoje não podemos dizer que conhecemos todo o pessoal”, diz.

Se os vizinhos já não podem ser reconhecidos com tanta facilidade, o que não se alterou foi a tranquilidade e segurança do bairro, destaca a aposentada enquanto alimenta os patos e galinhas que mantém no quintal.

A mesma sensação de paz, tranquilidade e segurança são destacados pelas donas de casa Elisabeth Montoski e Maria Ivanilde Montoski. “Esse bairro é muito bom, tranquilo. Aqui, as crianças ainda podem brincar a vontade”, ressalta Elisabeth. “É seguro, não dá pra reclamar. Eu nunca durmo com a casa trancada”, complementa Maria Ivanilde.

O visual da localidade na qual as duas moram, na rua Arnoldo Piske, também chama a atenção das moradoras. “Aqui é muito fresco graças à natureza”, diz Elisabeth. “É uma bênção, um privilégio que nós temos”, acrescenta Maria.

Ativa na comunidade, Hildagard participa dos grupos de atividade como os de mulheres, idosos e espirituais. A aposentada, que perdeu o marido e a filha há cerca de quatro anos tem a companhia do neto todos os dias.

“Tenho a companhia dele que não me deixa sozinha”, conta, embora esteja cercada pelas casas dos outros quatro filhos que moram ao redor.

Com 73 anos de Três Rios do Norte, ela consegue enxergar os pontos positivos, mas também vê as demandas necessárias para o bairro. A principal reclamação de Hildagard é com relação a rua que ela atravessa diariamente para ver a plantação.

“O que precisava melhorar é a situação da rua, fazer o acostamento. Tu não pode andar de bicicleta, ou anda no mato ou fica em casa e eu gosto de andar de bicicleta”, lamenta.

Vida após tremor de terra

Há mais de três décadas a chamada “Tifa Tailak” é a casa da família de Elisabeth Montoski. Moradora da rua Arnoldo Piske, ela viu a comunidade pacata e tranquila virar notícia há alguns anos, quando um tremor de terra assustou moradores fazendo, inclusive, alguns saírem de suas casas para não voltar mais.

“Foi uma coisa muito estranha, como se fosse um assoalho e alguém batesse de baixo para cima. Começou durante a noite e seguiu, foram praticamente dois dias e o pessoal teve que sair e ir para casa de parentes”, lembra.

É praticamente rotina Elisabeth sair para passear com os netos pela rua de chão | Foto: Eduardo Montecino/OCP News

O assentamento de terra que provocou os tremores tem impacto até hoje, afirmam os moradores, que dizem sentir tremores ainda algumas vezes, mas nada preocupante, garantem.

“A gente escuta tremores de vez em quando. Teve vizinha que não quis mais ficar de jeito nenhum”, recorda.

Se o tremor de terra assustou moradores há anos, eles acreditam que até hoje a comunidade sente o impacto do fenômeno. Elisabeth e a imã Maria Ivanilde Montoski, que vivem há décadas na mesma rua, contam que depois do episódio, não há mais possibilidade de novas ligações de energia elétrica e atribuem ao tremor a “culpa”. “

Eu acho que eles não fazem mais nada por conta do tremor, mas nunca mais teve problema, deve mesmo ter sido o tal assentamento“, diz Maria Ivanilde.

Falta de manutenção na rua Arnoldo Piske

Elisabeth Montoski, que costuma andar morro acima com os dois netos, Davi, de um ano e meio, e Manu, 3 anos, conta o quanto a comunidade cresceu, assim como todo o bairro. “As casas aqui multiplicaram. Quando nós viemos tinha oito casas na rua, hoje acho que tem umas 60”, diz.

O crescimento chegou e chega a todo momento, mas alguns problemas não mudam, garante a dona de casa que convive há 33 anos com uma via sem asfalto e que pouco recebe manutenção.

Embora as máquinas tivessem “passado” dois dias antes na rua Arnoldo Piske, Elisabeth ressalta o quanto a falta de atenção com a rua prejudica os moradores.

“Na semana passada isso aqui estava que não dava nem para andar. Os ônibus e topiques de escola e empresa não queriam nem subir para buscar o pessoal”, conta.

O problema atingiu diretamente Maria Ivanilde Montoski, que depende do transporte da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) para que seu filho, Anderson, possa ir até a instituição.

“Imagina, eles não queriam subir por conta da rua que estava toda esburacada e com lama. Como eu ia levar ele até lá?”, questiona.

Moradores exaltam liberdade para crianças

As irmãs Maria Ivanilde e Elisabeth Montoski reclamam da falta de saneamento básico, problema enfrentado por todos os moradores da rua. “Aqui no nosso bairro precisamos de saneamento básico e energia elétrica, eles não estão dando ligação nova, não estão fazendo nada de esgoto”, reclama Elisabeth.

Embora admitam que o bairro tem crescido e disponibilizado serviços básicos como saúde e educação com a unidade de saúde, as escolas e a creche, elas apontam a demora e a falta de vagas como problemas que já atingem a população e que podem piorar com as expectativas de crescimento.

“Na saúde demora meses para conseguir uma consulta, na creche não tem vaga, imagina como vai ficar com esse monte de lote e casa que estão sendo construídos”, indaga.

Enquanto não tem acesso a área de lazer, uma vez que não há nenhum parquinho nas proximidades, Elisabeth deixa os netos brincando na rua, costume preservado graças ao sossego da comunidade ou faz o que o pequeno Davi adora e até reivindica: caminha morro acima na companhia dos pequenos.

Qualquer paradinha e o garotinho já ensaia uma reclamação, balbuciando algumas palavras com a expressão fechada. Para Elisabeth, a maior vantagem do bairro que sofre com alguns pontos que ainda exigem atenção do poder público, é permitir que as crianças tenham a liberdade que os netos têm.

A aposentada Hildagard Stein Krueger garante que essa mesma tranquilidade que dá liberdade às crianças a prende no Três Rios do Norte. “Não trocaria de bairro nunca. Quando você mora 73 anos em um lugar, não vai querer outro. Aqui eu posso deixar a noite e deixar a casa aberta e isso não tem preço”, finaliza.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura questionando o poder público a respeito das reclamações feitas pelos moradores, mas até o fechamento da reportagem, não obteve as respostas.

 

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