OCP nos bairros: Rio da Luz, o berço da colonização germânica preserva história e tradição

Bairro foi tombado em 2007 pelo Iphan. | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Por: Elissandro Sutil

08/11/2018 - 09:11 - Atualizada em: 16/11/2018 - 11:56

Não é à toa que a principal rua do bairro se chama Eurico Duwe. Aliás, não é nada difícil encontrar o sobrenome Duwe pelas ruas e edificações do bairro. O estádio do clube Cruz de Malta também carrega o nome de Eurico, um dos primeiros comerciantes do Rio da Luz.

A família Duwe é praticamente patrimônio histórico de Jaraguá do Sul e tem as raízes fincadas no bairro, igualmente histórico. Segundo a historiadora Silvia Kita, a colonização da região do Rio da Luz iniciou com os imigrantes alemães que vieram de Blumenau.

As primeiras famílias foram: Mathias, Rappe, Barge, Wachaholz, Kühl, Hoffmann, Duwe, Henkels, Schwirkowski, Lindemann, Reink, Aramthum, Krüeger, Kreutzfeld, Geisler e Sohn, afirma.

Importante personagem da família Duwe e do bairro, Ademar Duwe é facilmente encontrado pelas ruas do bairro onde mora, teve empresa, construiu o clube Cruz de Malta, a sede e muito mais.

Para ele, que esbanja amor e vontade de preservar o bairro e as tradições germânicas, o bairro respira tradição e não foi tombado por capricho e sim porque faz parte da história de Jaraguá do Sul e do país. “Ele faz parte da história e porque não dizer, a parte mais importante da história”, afirma.

Enquanto mostra a casa dos avós, germânica, trazida de Blumenau e transformada em museu, Duwe relembra o nascimento do Rio da Luz que recebeu os primeiros colonizados antes mesmo da “descoberta” de Jaraguá do Sul, conta.

“Isso aqui era uma picada, aberta em 1864 de Blumenau, passando aqui pelo Rio da Luz para ligar ao porto de São Francisco do Sul. Em 1868 entraram os primeiros quatro moradores, oito anos antes de Jaraguá ser descoberta”, diz.

Ademar Duwe é patrimônio histórico do Rio da Luz | Foto: Eduardo Montecino/OCP News

E como conta Kita, as primeiras famílias se firmaram na região, com a abertura de comércios e preservando sempre as tradições germânicas especialmente nos segmentos religiosos, educacionais, gastronômico e musical.

Assim, não é surpresa que ainda hoje, cinco sociedades continuem firmes mantendo a cultura no bairro.

“Era uma via de comunicação entre Pomerode e Joinville, pela estrada antiga e ali temos várias questões sendo preservadas. É uma região intensa da cultura germânica e a partir de 1915, foi criada a Sociedade Rio da Luz, que mais tarde ficou conhecida como Salão Barg, uma das primeiras sociedades do município”, lembra.

Hoje, permanecem fortes e ativas as sociedades: Salão Barg, Centenário, Ribeirão Grande da Luz, Rio da Luz Vitória e Guarani.

Foto Eduardo Montecino/OCP News

A partir de 1904, os Duwe iniciaram sua história no Rio da Luz, com a chegada dos avós de Ademar. Com uma memória de dar inveja, ele lembra que a primeira família do bairro foi a Mathias, que até hoje tem uma “vila” com seu nome.

“Ele foi o primeiro comerciante de Jaraguá, começou em 1978 abrindo uma casa de comércio lá em cima, no Vitória. Até hoje as propriedades são da família Mathias”, relembra.

Foto Eduardo Montecino/OCP News

Tombamento preserva identidade do bairro

As placas indicam que a paisagem vai começar a mudar e dar um tom mais histórico e elas não mentem. O Rio da Luz é percebido de maneira diferenciada por todos, daqueles acostumados aos prédios do Centro àqueles mais habituados às paisagens rurais.

Por ali, a preservação fica evidente em cada detalhe, das grandes propriedades rurais que se dividem entre a criação de animais e as plantações até as edificações que mantém os detalhes do período construtivo.

Foto Eduardo Montecino/OCP News

Muito da preservação é cultural, mas o processo de tombamento do bairro tem papel fundamental, afirma a historiadora Silvia Kita. Efetivado em 2007, o processo vinha sendo estudado há muito mais tempo, conta.

“Desde a década de 1980 as rotas de colonização vem sendo estudadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o Rio da Luz está inserido desde o início com o tombamento da Casa Rux, em 1988. E desde aquela época vem sendo feito um levantamento de todas as edificações da região, que culminou com o tombamento da primeira paisagem rural da imigração do Brasil”, explica.

Ela ressalta que além de preservar as edificações, processo comum em tombamentos, o que ocorreu no Rio da Luz teve como objetivo preservar o modo de vida do local.

“Foi pela paisagem, ou seja, a preservação da paisagem na forma como ela foi constituída pela colonização”, ressalta. “Nesse olhar técnico e histórico do levantamento, eles viram essa preservação”, completa.

Foto Eduardo Montecino/OCP News

Apesar disso, desde que foi tombado, há 11 anos, o bairro tem sido alvo de discussões entre os moradores que chamam atenção para os impeditivos que um processo de preservação como esse acarretam. Para Ademar Duwe, o tombamento foi benéfico como forma de preservar a cultura e história germânicas, tão acentuadas e intensas.

Porém, por outro lado, ele avalia que é necessário viabilizar um meio de fornecer recursos às famílias para que possam, de fato, preservar e não apenas deixar de “mexer” nas edificações.

“Acho que o Iphan deveria viabilizar recursos para que fosse financeiramente possível preservar essas propriedades. Isso faz parte da preservação da história e de manter o Rio da Luz como uma rota histórica”, analisa.

A tricoteira Gielead Siewerdt, de 58 anos, conta que, no início, os moradores “não deram muita importância”, mas que ao longo dos anos começaram a analisar os impactos do tombamento para o bairro.

Moradora “desde sempre” do Rio da Luz, Gielead é vizinha do Salão Barg e viu a história sendo escrita diante dos olhos, na varanda da casa da família, construída na década de 1930.

Gielead vive na casa em que a mãe nasceu, construída ainda nos anos 1930 | Foto: Eduardo Montecino/OCP News

Para ela, o tombamento está preservando a identidade, cultura, tradição e história do bairro e projeta mudanças significativas para o futuro, como a criação de rotas turísticas que explorem justamente essa preservação.

“Há três anos mais ou menos começamos a ver as questões do impacto, mas enxergamos que isso preserva a identidade do bairro. Acho que quem critica tanto é porque quer vender as propriedades transformando-os em pequenos lotes. Daqui alguns anos, o pessoal vai dar graças porque os benefícios vão ficar por muito tempo”, afirma.

Silvia destaca que é natural que, em um primeiro momento, exista um impacto na comunidade por conta da preocupação com os bens de cada família, mas é fundamental absorver esse choque inicial e pensar nos benefícios a médio e longo prazo.

“É uma honraria saber que o seu imóvel faz parte da história do país. Do ponto de vista histórico é um fato muito importante. As pessoas aos poucos vão vendo os benefícios que podem aferir com essa preservação”, avalia.

Além disso, a historiadora enfatiza a forte inserção e manutenção dos aspectos religiosos e educacionais, exemplo disso é disponibilização das aulas de alemão nas escolas do bairro. Kita ressalta a importância da preservação do bairro como um todo.

Foto Eduardo Montecino/OCP News

“A região do Rio da Luz representa um dos berços da colonização germânica em Jaraguá do Sul, representa a preservação dessa colonização em todos os sentidos. Ele significa a preservação dessa cultura”, finaliza.

Turismo precisa ser impulsionado

As belas paisagens, a história materializada nas edificações seja de residências ou das sociedades são marcas registradas do bairro que, não à toa, é tombado como patrimônio nacional. Mas, apesar disso, os impactos podem ser sentidos no dia a dia e no desenvolvimento econômico do Rio da Luz.

Para Ademar Duwe, é fundamental que se invista tempo, recursos e estrutura para fomentar o turismo rural e histórico do bairro. “O que precisava é o incentivo para manter, preservar, incentivar o turismo que é o que dá pra fazer, além de ter muito potencial”, destaca.

Casa Rux foi tombada antes mesmo do processo ser ampliado para todo o bairro | Foto: Eduardo Montecino/OCP News

A tricoteira Gielead Siewerdt reitera o pedido de Duwe. “Tivemos algumas iniciativas, a reunião da Acolhida na Colônia e acho que é fundamental fomentar esse turismo rural. Com o tempo, o pessoal da cidade e turistas dão ainda mais valor pra esse tipo de iniciativa”, complementa.

Falando em turismo, a casa dos avós de Ademar Duwe, construída no início dos anos 1900, foi transformada em museu. Preservada com cada uma das características originais, a casa museu fica no Rio da Luz, para onde foi trazida de Blumenau há cerca de 30 anos.

Além do projeto construtivo original, Ademar mantém móveis originais e muitas imagens históricas de Jaraguá do Sul.

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