Da quadra da escola municipal Ribeirão Molha, o som das cantigas folclóricas ecoa pela vizinhança e sincroniza um bairro inteiro no mesmo ritmo: o do boi de mamão.
O projeto começou 25 anos atrás e foi acolhido por toda a comunidade. Atualmente, o projeto Boi de Mamão da escola Ribeirão Molha envolve 90 pessoas, sendo 80 alunos e dez profissionais de música e artes cênicas.
Neste sábado (18), a equipe vai apresentar pela primeira vez a versão comemorativa do folclore, no salão da Comunidade Nossa Senhora do Rosário, às 19h. A história já foi encenada 24 vezes, mas ainda se reinventa e prende a atenção do público e dos alunos, tão apegados à esta tradição do litoral catarinense.
O responsável pela parte musical do projeto desde 2008, Sebastião Ricardo Borba, declara que esta é uma das principais preocupações de quem organiza o Boi de Mamão: não deixar cair no comodismo.
“Aqui na escola esse movimento é muito forte, as crianças almejam participar desde o primeiro ano, e quando entram, querem conquistar funções maiores”, aponta Borba.
Paulo Cesar da Silva assumiu no início desse ano a direção de artes cênicas da peça, mas também já identificou essa característica na relação da escola com o folclore. “O pessoal já vive essa cultura, tá no sangue. Ninguém vê a escola sem o Boi de Mamão”, comenta Silva.
A coordenadora pedagógica da instituição, Iara Vieira, explica como essa tradição foi trazida para o Ribeirão Molha. Segunda ela, Manoel Rosa, conhecido como mestre Manequinha, desenvolvia um trabalho de fortalecimento da cultura popular no bairro Vila Lenzi e tinha sete bonecos do boi de mamão.
“Em certo momento, ele se desfez dessas figuras e a professora Maria Elizabeth Pedrotti, que trabalhava aqui, ficou apaixonada quando encontrou”, conta Iara.
A coordenadora relembra que pela escola ser mais isolada e pequena, ela acabava não tendo muitos atrativos para os alunos. Naquela época, as salas abrigavam até quatro séries diferentes.
A partir daí, a equipe passou a pesquisar mais sobre a história do folclore. Nos primeiros anos, conforme Borba, a apresentação não era bem uma história, mas sim uma brincadeira onde as crianças brincavam envolta do boi, como uma pega-pega.
Iniciativa ganha apoio e reconhecimento
O projeto tomou proporções surpreendentes e para celebrar os 25 anos em grande estilo, conseguiu o apoio de patrocinadores e confeccionou uma edição de camisetas comemorativas. As peças podem ser adquiridas na secretaria da escola, por R$ 25 e R$ 35.
Alguns figurinos deste ano também foram repaginados com a ajuda de parceiros, mas grande parte do acervo de peças e instrumentos são cuidados no dia a dia pela equipe.
O diretor musical do Boi de Mamão, Sebastião Borba, explica que as roupas eram feitas na própria escola, com o apoio de uma auxiliar de limpeza. “Faz parte desse espírito de abraçar a causa, todo mundo ajudar. Foi assim que o projeto alcançou uma amplitude maior”, relata Borba.
Há cerca de dez anos, o projeto comprou alguns instrumentos musicais por meio da Lei Rouanet. “Depois, a APP (Associação de Pais e Professores) foi conseguindo manter os recursos”, aponta. Atualmente, a percussão conta com 40 instrumentos musicais, sendo de oito tipos diferentes. Tem agogô, xequerê, atabaque, alfaia, pandero e outros.
Os ensaios acontecem desde o começo do ano, nas quintas-feiras. Às terças, a equipe se reúne para fazer o planejamento do material. “Como são muitos instrumentos e roupas, tem ajustes para serem feitos direto”, explica Borba.
Folclore é tradição nas famílias do bairro
De pai para filho, irmão, sobrinho. É assim que o Boi de Mamão também pode ser definido na escola Ribeirão Molha. Gustavo Savalisch, de 14 anos, é um exemplo disso. “Minha mãe participou, minhas tias, é uma tradição de família e do bairro, que pretendo continuar até o nono ano”, enfatiza.
Cursando o oitavo ano do ensino fundamental, ele já fez praticamente de tudo na peça. “Fui urubu, padre, agora toco o alfaia, que é um dos maiores tambores”, observa. Apenas as turmas do quarto ao nono ano que podem compor o folclore.
Brayan Pimentel, de 12 anos, também toca alfaia. A percussão é um dos principais pontos do espetáculo. Ele conta que ficou três anos na parte teatral e esta é a primeira vez que ele vai tocar um instrumento no Boi de Mamão. “Gosto do dois, mas queria mudar um pouco, aí fico nessa indecisão”, brinca o menino.
Brayan conta que ficou interessado em participar porque percebeu que o projeto se destacava entre as outras escolas. “Meu irmão também fez parte. Eu olhava e pensava que isso deveria ser legal, aí tomei a iniciativa e comecei nos bois menores, que são para os mais pequenos”, completa.
Transitar entre o teatro e música é algo comum para os alunos da escola Ribeirão Molha. Lavínia Kuester, de 11 anos, iniciou como bruxa, integrou o coral por um ano e agora está tocando o xequerê.
“Para aprender a tocar foi mais complicado, mas já me acostumei. Quero tentar cantar no ano que vem de novo”, salienta a estudante do sexto ano.
Para a coordenadora pedagógica, Iara Vieira, é essa liberdade de escolher em qual setor vão atuar que motiva os alunos a continuarem no Boi de Mamão depois de tantos anos.
Projeto reflete em outras disciplinas
Na visão da diretora da escola Ribeirão Molha, Ilair Dagmar Tomaselli, o Boi de Mamão faz toda a diferença no desempenho dos alunos e no próprio desenvolvimento das crianças.
“A gente sente um desembaraço deles nas outras atividades, vão muito bem na oratória, em declamações, não têm medo de se apresentarem e falarem em público”, avalia Ilair. A figura do boi também é utilizada em outros trabalhos pedagógicos.
Responsável pela parte cênica do projeto e professor do quarto ano, Paulo Cesar da Silva comenta sobre o aprendizado rápido das crianças, que também fazem parte do ensino integral da rede municipal.
“No quarto ano, todos já estão alfabetizados e escrevem bem, essa não é uma realidade que vi em outras escolas. Eles possuem uma pré-disposição maior para aprender, não só no projeto”, declara Silva.
Para a diretora, um dos principais objetivos do Boi de Mamão é fazer com que o folclore brasileiro seja valorizado.
A dança é uma das tradições folclóricas mais antigas de Santa Catarina, principalmente nas regiões litorâneas. A história tem um tom cômico, mas o elemento central é a dramaticidade, com a morte e a ressurreição do boi.
Há divergências sobre a origem do folclore. Alguns pesquisadores afirmam que a brincadeira foi trazida pelos açorianos à cultura catarinense, por volta do século XVIII. Outros, acreditam que ela chegou ao estado com os espanhóis, a partir de 1500. O nome também é motivo de contradição, já que muitos dizem que no início, era usado um mamão no lugar da cabeça do boi.
Entre as figuras que aparecem na história estão: o boi, o proprietário do boi, a bernunça e seu filhote, a maricota, o doutor, a viúva, o cavalinho, os outros bois e os corvos.
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