Para a indústria têxtil brasileira, a possibilidade de sobretaxas para a importação de fios de poliamida 6, matéria-prima essencial para o setor, acende um sinal vermelho. O insumo, fornecido majoritariamente pela empresa chinesa Yiwu Huading Nylon Co., Ltd, sustenta cerca de 230 mil empregos diretos e 1,4 milhão de postos de trabalho indiretos em toda a cadeia de produção de malharias, tecelagens e confecções, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT).
Em Santa Catarina, principal polo têxtil do país, 31 mil vagas diretas e 178 mil empregos no total estão ligados às atividades que dependem diretamente da poliamida, segundo a Fiesc.
Somente na economia de Santa Catarina, 1 em cada 23 empregos está na cadeia têxtil, o que representa 4,3 %. Considerando empregos indiretos, esses elos poderiam representar cerca de 192 mil postos no total.
A preocupação do setor é que a investigação antidumping instaurada pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) contra a Huading, resulte em barreiras tarifárias que impactem diretamente a competitividade da indústria nacional.
Embora o processo siga as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), não há evidências de danos causados pelas exportações da empresa chinesa, e a medida pode ter efeitos colaterais graves para a produção e o emprego no país, afetando desde o setor têxtil, de malharias, tecelagem, confecção, varejo de roupas, até o setor logístico, desde portos até a entrega de fios e tecidos.
Dependência produtiva e risco de desabastecimento
A Huading é considerada a principal fornecedora de fios de náilon para a indústria têxtil brasileira, um insumo sem equivalente nacional em escala e desempenho. A eventual aplicação de sobretaxas pode causar desabastecimento, aumento de custos e redução na rentabilidade das empresas, abrindo espaço para a entrada de produtos acabados importados mais baratos e isentos das barreiras em discussão. A medida, embora prevista em lei, pode comprometer a recuperação industrial em curso após anos de retração, afetando especialmente os polos produtivos do Sul, Sudeste e Nordeste.
Diferença entre Poliamida 6 e Poliamida 66
Embora ambas sejam derivadas do mesmo insumo básico, o petróleo, Poliamida 6 (PA6) e Poliamida 66 (PA66) têm origens químicas, propriedades e aplicações distintas. A PA6 é produzida a partir da polimerização da caprolactama, resultando em um material mais flexível, com excelente capacidade de tingimento e resistência à abrasão, amplamente usado em fios têxteis, meias e roupas esportivas.
Já a PA66, obtida pela combinação de ácido adípico e hexametilenodiamina, apresenta maior rigidez e estabilidade térmica, sendo aplicada principalmente em componentes de engenharia e peças automotivas. Essas diferenças estruturais tornam a PA6 e a PA66 materiais complementares e não substitutos, motivo pelo qual vários países, como os Estados Unidos, já classificam cada um de forma distinta em seus sistemas alfandegários. O Brasil, entretanto, não produz Poliamida 6, dependendo integralmente da importação para suprir sua cadeia têxtil.
Inovação e sustentabilidade em risco
Além dos efeitos econômicos, há preocupação quanto ao retrocesso tecnológico e ambiental. O empresário Carlos de Souza, presidente da Del Rio, lembra que o fio da Huading é produzido com o processo Dope Dyeing, que incorpora a cor diretamente ao polímero e reduz em até 90% o consumo de água no tingimento. “Medidas como essa só vão aumentar custos e dificultar exportações, além de frear o acesso a materiais mais sustentáveis e competitivos”, afirma.
É preciso cautela, alerta especialista
Para o economista Mohamed Amal, professor da Universidade Regional de Blumenau, a defesa comercial deve considerar a capacidade produtiva nacional. “Punir a principal fornecedora de um insumo sem substituto local é arriscado. O resultado pode ser o oposto do esperado: menos competitividade, mais custos e perda de empregos. O equilíbrio entre práticas de comércio justo e a proteção da base produtiva precisa ser o foco”, defende.
Enquanto o processo segue em análise, a expectativa dos empresários é de prudência, “qualquer decisão deve preservar a continuidade das operações, o emprego e a competitividade de um dos setores que mais geram renda e oportunidades no país” enfatiza Carlos Modolo, CEO da CTM Fios, representante da Huading no Brasil.
Compromisso e apelo à razão
A discussão vai além da questão tarifária. “Trata-se do futuro da indústria nacional, da manutenção de milhares de empregos e do fortalecimento da cadeia produtiva que sustenta inovação, renda e desenvolvimento regional. Avaliar com equilíbrio e responsabilidade o papel da Poliamida 6 na economia brasileira é essencial para que o país continue competitivo, sustentável e capaz de inovar”, destaca o empresário.