O desenvolvimento tecnológico fez surgir novas máquinas e equipamentos que transformaram o mundo do trabalho. A maioria das funções manuais e repetitivas foram automatizadas e muitas profissões tiveram que se adaptar aos novos tempos, enquanto outras deixaram de existir, como é o caso, por exemplo, dos datilógrafos, telefonistas e ascensoristas. Já os profissionais da alfaiataria, sapateiros e diversos outros ofícios artesanais estão se tornando cada vez mais raros.
Vida dedicada à alfaiataria
Nelson Borgonha, um simpático senhor de fala muito calma e doce, hoje com 80 anos, aprendeu o ofício da alfaiataria no longínquo ano de 1958, quando ainda era um adolescente. “Eu não gostava da roça e naquela época era a família toda trabalhando na roça. Então, saí de casa com 14 anos e fui aprender uma profissão”, conta ele, que a princípio atuou como empregado em alfaiatarias de Joinville e Rio dos Cedros. Com apenas 18 anos, em Massaranduba, cidade onde nasceu, montou a sua própria alfaiataria. Quando se mudou para Jaraguá do Sul, 28 anos atrás, passou a prestar seus serviços também para lojas, fazendo o ajuste de roupas com perfeição.
“Embora existam confecções muito boas, as roupas vendidas em lojas são fabricadas em tamanhos padronizados”, observa seu Nelson, contando que o trabalho que atualmente é feito pela máquina overlock antigamente era todo realizado à mão e com mais dificuldade. “A gente usava ferro de passar à brasa, sob a luz do lampião de gás. Hoje existe todo um maquinário para costurar, fios especiais, tem tudo, mas não tem mão de obra”, compara o alfaiate, que ainda é bastante procurado por clientes que querem roupas sob medida. No entanto, como não há profissionais especializados em alfaiataria, ele trabalha sozinho e não dá conta de atender a todos.

Para fazer as peças de roupa, seu Nelson tira as medidas e risca direto no tecido | Foto: Fábio Junkes
Seu Nelson ainda guarda como relíquia um ferro elétrico que tem mais de cem anos. O objeto, que pesa sete quilos, foi adquirido da sobrinha de um alfaiate já falecido. O uso desse equipamento, no entanto, lhe causou um problema no tendão do braço direito, por isso se obrigou a usar um ferro elétrico moderno, bem mais leve, mas que, segundo ele, “não faz um friso tão bem feito nas calças”.
Como alfaiate, já vestiu algumas das figuras mais importantes de Jaraguá do Sul e região. Ele conta que em décadas passadas as pessoas iam à missa vestindo terno e gravata, não importando a classe social. Os mais abastados encomendavam ternos de linho puro, um tecido que atualmente quase não se vê mais. Durante todos esses anos, criou uma relação de amizade e carinho com muitos de seus clientes, que lhe presenteiam com lindos dedais, trazidos de diferentes países.
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Para fazer as peças de roupa, seu Nelson não usa moldes de papel. Ele tira as medidas e risca direto no tecido. “Ainda trabalho com alfaiataria porque aprecio a qualidade e a perfeição”, afirma. Por amar o que faz, continua ativo e trabalhando, mesmo após ter sofrido sérios problemas de saúde. Há sete anos, passou a usar duas bolsas de colostomia. “Estou vivo por uma graça, porque não era a minha hora de morrer”, acredita. Além dos trabalhos com costura, seu Nelson também ajuda sua esposa, Áurea, nos trabalhos domésticos e é ele quem prepara o café todas as manhãs.

Aos 80 anos, o alfaiate tem prazer em continuar desempenhando seu ofício | Foto: Fábio Junkes
Além da inteligência, a paciência é outra característica que seu Nelson afirma ser indispensável para quem deseja trabalhar com alfaiataria. Ainda hoje, mesmo tendo máquinas, ele prefere fazer a bainha das calças à mão. E, apesar de todas as dificuldades já enfrentadas, seu Nelson afirma que faria tudo de novo. “A gente só vence com luta”, ensina.
Uma clínica diferente
Há 18 anos, o casal Helder Natalício Vareiro e Zélia Hermes Vareiro abriram em Jaraguá do Sul a “Clínica das Panelas”. Helder trabalhava como instrutor de autoescola e sempre teve o desejo de ter uma negócio próprio. Zélia atuava na área da educação há 46 anos, estava prestes a se aposentar e já pensava no que faria ao chegar esse momento.

Helder é quem realiza os consertos | Foto: Fábio Junkes
Ela conta que seu sobrinho Denilson era dono do “Hospital das Panelas” no Bairro Amizade, mas como ele também tinha um emprego formal, faltava tempo para se dedicar ao seu negócio, por isso sugeriu que Helder assumisse o empreendimento. “Ficamos confusos, com vários questionamentos, pois nunca havíamos pensando em trabalhar consertando panelas, mas mesmo assim encaramos o desafio”, diz Zélia.
Assim, o casal adquiriu do sobrinho as peças necessárias para a implementação do negócio, muitas delas desenvolvidas pelo próprio Denilson. Em seguida, Helder e Zélia foram em busca de uma sala para alugar e acabaram se estabelecendo na Rua João Januário Ayroso, 1.173, no Bairro Jaraguá Esquerdo, onde permanecem até hoje.
Segundo Zélia, mesmo com o negócio já em funcionamento, ainda havia dúvidas sobre se fariam apenas o conserto de panelas ou também de utensílios de cozinha. Eles também pensavam em como adquirir as peças – cabos, alças, borrachas, pesos, pinos, rebites e selo de segurança para tantos modelos de panela de pressão. Seguindo orientação do sobrinho, foram à procura de fornecedores de peças, como tampas de alumínio e de vidro, para que pudessem atender às necessidades de seus clientes.

Zélia e Helder iniciaram as atividades em 2006 | Foto: Fábio Junkes
Outro desafio foi atrair clientes. O casal distribuiu mais de cinco mil panfletos, que não trouxeram muito resultado. Eles também visitaram restaurantes e escolas de Jaraguá do Sul e região. “Abrimos o Hospital das Panelas, que depois passaria a se chamar ‘Clínica das Panelas’ no dia 10 de setembro de 2006 e ficamos até janeiro do ano seguinte sem ter clientes, mas a porta permanecia aberta e aparecia uma ou outra pessoa de vez em quando. Começamos a visitar os sucateiros e compramos diversas panelas amassadas ou sem alça, tampas sem puxador. Helder consertava, limpava e depois vendíamos esses produtos, pois há muitos clientes que procuram por produtos restaurados”, relata Zélia.
O público que procura pelos serviços é formado por pessoas de diferentes idades e classes sociais. “Também atendemos bastante escolas, restaurantes, comunidades religiosas, clubes e pizzarias”, afirma Zélia, completando que toda casa tem algo na cozinha que precisa de conserto, seja uma panela de pressão ou de alumínio, chaleiras, leiteiras, bules, frigideiras, etc. “Assim, não é necessário descartar esse objetos e a natureza agradece”.
Dedicação em família
A profissão de sapateiro é uma das mais antigas do mundo e quase não sofreu alterações ao longo dos séculos, tendo sido sempre muito valorizada. Porém, nas últimas décadas esse ofício artesanal perdeu espaço no mercado. Um dos motivos para isso é que, para reduzir custos, a indústria moderna utiliza matérias primas como o couro sintético e outros materiais mais baratos, tornando muitos calçados quase que descartáveis. Assim, o número de clientes que procuram as sapatarias diminuiu, já que o valor para restaurar um calçado de baixo custo não é vantajoso. Além disso, já falta mão de obra qualificada para exercer esse trabalho.
O sapateiro Ileandro Volnei Capitani, 34 anos, é proprietário da Sapataria Marechal, localizada no Centro de Jaraguá do Sul. Ele conta que aprendeu o ofício com seu falecido padrasto, Mário. “Quando tinha uns 10 anos comecei a frequentar o ambiente da sapataria e, entre erros e acertos, fui aprendendo”. Fundada no ano 2000, já passaram pela sapataria cerca de 30 jovens que tiveram ali o seu primeiro emprego. Ileandro lembra de todos eles com carinho e comenta que vários seguiram na profissão, embora uma parte tenha desistido do negócio mais tarde.

Ivanilde e o filho Ileandro trabalham juntos na sapataria | Foto: Fábio Junkes
Ileandro conta que os primeiros anos de atividade foram difíceis e que sua mãe, Ivanilde, chegou a virar a noite trabalhando para dar conta de pagar o aluguel e outras despesas do empreendimento. “De início, a sapataria foi instalada no antigo Shopping Breithaupt, mas o aluguel era muito alto e em seis meses quebramos. Começamos novamente do zero em um ponto na Rua Marechal Deodoro, só que era muito escondido e tinha pouco movimento. Até que surgiu uma oportunidade em um ponto na mesma rua, onde a sapataria está instalada até hoje”, conta.

Para ficar bem feito, trabalho requer atenção e paciência |Foto: Fábio Junkes
Segundo ele, o período de maior movimento é no inverno e o serviço mais comum é a colagem de calçados. Alguns de seus clientes têm alto poder aquisitivo e trazem para reparo sapatos e bolsas de grife. Além dos consertos, a sapataria também comercializa produtos como cintos de couro e outros acessórios que ajudam a aumentar o faturamento.
Atualmente, o empreendimento está muito bem estruturado, com funcionários que trabalham no local e outros terceirizados. No entanto, conseguir mão de obra qualificada está cada vez mais difícil. “Para o sapateiro ser um bom profissional tem que ter muita atenção, paciência e vontade de aprender”, destaca Ileandro.