O consumo de oito ou mais doses de álcool por semana está ligado a um maior risco de lesões cerebrais relacionadas a problemas de memória e cognição. A conclusão é de um novo estudo realizado com cérebros humanos, publicado na revista Neurology. A pesquisa identificou alterações chamadas de arteriolosclerose hialina, caracterizadas pelo espessamento e endurecimento das paredes de pequenos vasos sanguíneos, dificultando o fluxo de sangue e podendo gerar danos progressivos ao cérebro.
A investigação foi realizada com base em amostras do biobanco da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que armazena cerca de 4.000 cérebros doados para estudos sobre envelhecimento. Foram analisados dados de 1.781 pessoas submetidas a autópsias, com idade média de 75 anos, considerando ainda fatores como histórico médico, condições socioeconômicas, sexo, idade, raça e hábitos de vida. Informações sobre o consumo de álcool foram obtidas por meio de questionários respondidos por familiares dos falecidos.
Os participantes foram divididos em quatro grupos: abstêmios, bebedores moderados (até sete doses semanais), bebedores excessivos (oito ou mais doses por semana) e ex-bebedores excessivos. Uma dose foi considerada equivalente a 14 g de álcool — cerca de 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de destilados.
Mesmo entre os moderados, o risco de desenvolver lesões nos vasos cerebrais foi 60% maior em relação aos abstêmios. No grupo dos bebedores excessivos, esse risco aumentou 133%. Já entre os que haviam deixado de beber após um período de consumo elevado, o risco ainda era 89% superior.
Além das lesões vasculares, os grupos de maior consumo apresentaram mais emaranhados da proteína tau — marcador associado ao Alzheimer — com aumento de 41% nos bebedores ativos e 31% nos ex-bebedores excessivos. Também foram observadas menor proporção de massa cerebral e pior desempenho cognitivo nessas pessoas.
Os achados reforçam diretrizes que indicam não haver uma dose segura para o consumo de álcool. A substância está relacionada a mais de 200 doenças e lesões e é responsável por milhões de mortes anuais em todo o mundo.
Embora estudos anteriores tenham sugerido benefícios do consumo moderado, especialistas acreditam que esses resultados podem ser influenciados por fatores como estilo de vida mais saudável e maior poder aquisitivo dos participantes.
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Compreender os efeitos a longo prazo do álcool na saúde cerebral é visto como essencial para promover a conscientização da população e embasar políticas públicas voltadas à prevenção. No Brasil, por exemplo, a proposta de uma nova reforma tributária prevê a criação de um imposto seletivo para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde, como as bebidas alcoólicas.
Os custos relacionados ao tratamento de doenças causadas pelo álcool também são altos. Estimativas apontam que os gastos com hospitalizações e procedimentos ambulatoriais relacionados ao consumo da substância somam mais de R$ 1 bilhão ao ano no Sistema Único de Saúde (SUS).
O estudo reconhece algumas limitações, como a ausência de dados sobre o tempo de exposição ao álcool e possíveis deficiências vitamínicas, que são comuns entre indivíduos com histórico de consumo excessivo. Ainda assim, os resultados apontam para uma necessidade crescente de atenção aos impactos do álcool, mesmo em níveis considerados moderados.