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“Variação linguística: o que é?”

A língua constitui uma realidade heterogênea, ou seja, a mistura e a variação são atinentes a ela. No que se refere ao Português do Brasil (PB), concebe-se, portanto, que este está sujeito a variações, como qualquer outra língua.

Essas diferenças fazem parte da vida de todos diariamente e afetam cada um de nós, visto que, de acordo com Ilari e Basso, na obra “O português da gente: a língua que estudamos e a língua que falamos” (2006), independente de quem somos, é natural mantermos algum tipo de interação com pessoas de outra idade, de outro sexo e de outras classes sociais. Dessa maneira, nesses vários moldes de interação, a língua que usamos muda, em alguma medida, para adaptarmo-nos aos nossos interlocutores, bem como ao contexto ou à situação.

A variação linguística é um fenômeno natural, que, por manifestar-se de vários modos, leva os estudiosos a falarem em “variação diacrônica, variação diatópica, variação diastrática e variação diamésica”.

Vocês já ouviram a respeito?

O Brasil possui inúmeras regiões e em cada uma delas há falantes que apresentam uma diversidade no uso da língua – tanto na mesma localidade quanto em localidades distintas (variação geográfica ou diatópica). A exemplo de outras formas de manifestação, em nosso país também temos uma gama de falantes que ocupam lugares díspares na estrutura social, pertencem a gerações distintas e até mesmo se diferenciam no quesito sexo: masculino e feminino (variação diastrática).

Contudo, a heterogeneidade na fala não ocorre apenas por diferenças de sexo, idade, região e outras, mas ainda, em função de situações específicas em que se dá o ato de fala; como o ambiente no qual os falantes interagem, o grau de intimidade que há entre os interlocutores, o assunto (tópico) em questão e outros.

Desta forma, existem na língua diversos recursos que são ativados de acordo com as situações de interação entre os falantes, por exemplo, se a comunicação entre os falantes é feita de modo escrito ou falado, se exige um estilo mais formal ou informal, entre outros (variação estilística ou diafásica).

Já a variação linguística histórica ou diacrônica é percebida quando comparamos gerações. Ela ocorre com o passar do tempo, visto que algumas formas de uso da língua caem em desuso, porque a língua é uma estrutura viva e a variação linguística é inerente ao sistema linguístico. Para uma compreensão mais aprofundada do assunto, abordo-o a seguir conversando com exemplos concretos desses empregos.

No que se alude à variação linguística geográfica ou diatópica é compreendida pelas diferenças que uma mesma língua apresenta na dimensão do espaço, quando é falada em diferentes regiões de um mesmo país ou em diferentes países. Esta variação se faz muito presente em nosso país, que é tão extenso e multicultural e acontece devido às peculiaridades de cada região, bem como aos diversos estilos característicos do jeito de falar de cada indivíduo.

Diferenças na mesma língua

Assim, essas diferenças podem ser notadas na maneira de articular e emitir os sons, na ordem sintática e na utilização do vocabulário (que tem certas particularidades de acordo com a região). Um ponto que surge nesse mote é se Portugal e as “antigas colônias” falam a mesma língua. Por exemplo, embora brasileiros e portugueses façam uso de um mesmo idioma (português) eles usam peculiaridades fonológicas, morfossintáticas e semânticas distintas.

Em Portugal emprega-se “puto” para denominar um jovem rapaz, no Brasil utilizamos rapaz (e para nós, “puto” está relacionado com uma pessoa brava); os portugueses denominam “rapariga” para moça (PB), já no Brasil, o termo “rapariga” é considerado uma expressão de cunho pejorativo em certas regiões, significando prostituta. Além desses exemplos, podemos citar também a disparidade entre as expressões utilizadas nas diferentes regiões do Brasil para designar a mesma coisa como orelha de gato, cavaquinho, cavaca, cueca virada e mentira. Qual desses você usa?

A variação linguística social ou diastrática inclui um conjunto de fatores que se refere tanto à identidade dos falantes quanto à disposição sociocultural das comunidades de fala. Assim, inclusive, falantes de uma mesma região se expressam de maneiras distintas, haja vista que esse fato está relacionado ao ambiente em que estão inseridos, ao estilo de se expressar de cada pessoa envolvida nessa convivência etc. Neste sentido, fatores como classe social, grau de instrução, profissão, sexo, idade e contexto social têm influência na atitude dos falantes de uma mesma região.

Em relação ao fator sexo, podemos citar o emprego do diminutivo (amorzinho) que é mais frequente entre as mulheres – situação comprovada em pesquisas da área –; já o uso dos termos “nois vai” e “nó(i)s vamos” está correlacionado ao fator idade e/ou ao grau de escolaridade do falante; uma linguagem de caráter mais formal ou informal é característica de uma escolha feita pelo falante de acordo com o contexto social, escolha esta que será determinada pelo ambiente, interlocutor e tema, por exemplo.

No tocante à variação social, sociocultural ou diastrática esta é resultante da semelhança de atos verbais de indivíduos participantes de um mesmo setor socioeconômico e cultural. Os fatores que motivam as diferenças linguísticas são de diversas ordens: socioeconômica (renda familiar, grau de escolaridade); sociobiológica (sexo, idade) e ocupação profissional, por exemplo.

Verificamos que no nível morfossintático, um exemplo de variação diastrática caracteriza-se no apagamento das marcas de plural nos constituintes de sintagma nominal ou na forma verbal, como em “as aluna mais velha”, “as quatro casa”, “eles vai”, “nós fez”.

Constatamos, ainda, casos reais de fala em situações como a vocalização do “lh” em “i” como em mulher/muié; a rotacização do “l” em “r” em encontros consonantais como em blusa/brusa; a assimilação do “nd” em “n” como em cantando/cantano; e a não-concordância nominal e verbal como em “os menino saiu cedo”.

O ambiente e a forma de falar

Resta assim, a última exposição tocante à variação estilística ou de registro que pode acontecer dependendo da situação em que o falante está exposto. Ela está associada às escolhas adotadas pelos falantes quando estão em ambientes mais ou menos formais.

É essencial que você entenda que em todas as situações de interação, o falante faz uso de um estilo formal ou informal na sua fala. O estilo mais formal é característico da linguagem mais monitorada (cuidada), enquanto o estilo informal se caracteriza por uma escolha inconsciente de expressões, não havendo tanta preocupação ou monitoramento por parte do falante em fazer uso desta ou daquela forma.

Assim sendo, como restou sobejamente demonstrado, é importante frisar que toda variedade linguística atende às necessidades de seres humanos que a empregam e, de acordo com o ambiente em que uma pessoa está inserida, ela se valerá de uma linguagem mais monitorada ou menos monitorada – ela só precisará dominar as regras e os usos.

 

 

À guisa do arremate, entendam que as variações acontecem porque o princípio fundamental da língua é a comunicação, desse modo é compreensível que os falantes da língua realizem rearranjos segundo suas necessidades na situação de interação social. Os diferentes falares, portanto, devem ser considerados como variações, e não como erros, a fim de não perpetrarmos uma atitude hostil e incorrermos no preconceito linguístico.

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Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

Doutoranda em Linguística pela UFSC, atua como professora de Língua Portuguesa e Redação e escritora, membro da Academia Desterrense de Literatura, ocupante da cadeira 6. É autora de livros e artigos na área da Língua Portuguesa, Literatura e Educação.