“Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes”.
Legião Urbana, Meninos e meninas
Data vênia – permita-me discordar, respeitosamente, de sua visão sobre questões referentes à língua portuguesa – e expor um tópico alusivo ao “estilo”, que se trata de uma dimensão da variação linguística, associado com aspectos variáveis da situação interacional, localizando-se em algum ponto de um continuum de monitoramento estilístico (espécie de linha que intercala situações de fala e escrita desde um nível menos formal ao mais formal).
Esse tipo de variação se manifesta nas diversas situações de interação no nosso cotidiano, visto que, assim como escolhemos uma determinada roupa, elegemos usos diferenciados da língua para cada ocasião.
Desse modo, em contextos sociais que exigem maior formalidade, empregamos uma linguagem mais cuidada e elaborada, porém em contextos sociais mais informais (como relação familiar, entre amigos e outras) tendemos a utilizar uma linguagem mais descontraída e informal.
No entanto, ainda assim, observamos que, na prática, as situações cotidianas de interação, tanto na fala quanto na escrita, estão cercadas por vários e diferentes graus de formalidade.
Do ponto de vista dos usos cotidianos da língua, verificamos que a oralidade e a escrita não são responsáveis por domínios estanques e bipartidos. Assim sendo, há práticas sociais mediadas, preferencialmente, pela escrita e outras pela tradição oral. Nesse passo, analisemos o caso típico da área jurídica, onde a utilização da escrita é intensa e regrada, haja vista que a Lei deve ser encarada ao pé da letra – pelo menos na teoria.
Todavia, cumpre enfatizar que a área jurídica faz um uso intenso e extenso das práticas orais nos tribunais, fato que confirma que em uma mesma área discursiva e mesma comunidade de práticas convivem duas tradições diversas.
Tecidas essas considerações, vale acentuar que a variação estilística está associada a um processo mental, assim, quanto mais formal é a situação, mais atenção é dada à fala e quanto menos formal é a situação, menos atenção é dada à fala.
A alternância de estilos não pode ser assinalada como uma mera preferência individual, visto que depende de determinados fatores, como contexto interacional, tipo de relação entre os interlocutores, classe social, gênero dos interlocutores, idade, meio ambiente físico e tópico discursivo.
De acordo com os sociolinguistas, a variação estilística é regulada pelos domínios em que se dão as práticas sociais (escola, igreja, lar, trabalho, clube etc), pelos papéis sociais envolvidos (professor/aluno, pai/filho, patrão/empregado, médico/paciente etc), pelo tópico (política, esporte, brincadeiras, etc)”. Nesse ínterim, o grau de variação será maior ou menor dependendo dos domínios em que acontecem as práticas sociais.
A sala de aula é “um prato cheio” para identificarmos essas questões, ou seja, um ambiente propício para nos depararmos com uma grande variação no uso da língua, tanto na relação entre colegas quanto na relação de poder entre professor e aluno. É notável que tanto alunos quanto professores desempenhem papéis sociais díspares, estes se valem, em geral, de um monitoramento maior na sua linguagem em relação àqueles no evento de sala de aula.
Tal fato não significa que dentre os eventos recorrentes em sala de aula os docentes não variem sua linguagem, perpassando assim, pelo contínuo de monitoramento estilístico, em outras palavras, por falas mais informais a falas mais formais.
Em algumas circunstâncias, professores se valem de uma linguagem mais cuidada, porém intercalando estilos, em uma brincadeira ou situação de descontração com seus alunos podendo usar uma linguagem menos cuidada, embora detenham em seu repertório uma linguagem mais monitorada.
Gostaria que entendessem, então, que todos nós podemos encontrar maior ou menor grau de monitoramento dentre eventos mediados pela língua escrita e oral; eventos de sala de aula e eventos de corredores, de reuniões pedagógicas e de conversas na sala dos professores, e assim por diante.
Logo, a variação linguística está relacionada às variadas funções praticadas por cada um dos participantes na vivência em sociedade. E aí, vocês já haviam pensado a respeito desse assunto?
Finalizo meu texto na companhia do Grande Fernando Pessoa que certa vez disse: “a linguagem fez-se para que nos sirvamos dela, não para que a sirvamos [a ela]”. Nesse caso, sugiro que usemos e abusemos desse instrumento tão rico e valoroso, buscando meios para interagir com e por meio dela.
Nos revisemus post septimanam (Vemo-nos na semana que vem)!
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