Porfírio estava encostado em seu carro, de cabeça baixa. Ele não estava triste, lamentando a vida, apenas jogava Minecraft no celular, enquanto aguardava dona Jacinta.
Vez ou outra olhava para os lados, verificando a regularidade da vida acontecendo ao seu redor. Suspirava impaciente, procurando por algum sinal da senhorinha, mas ela não dava as caras, e ele ali… esperando.
Foi numa dessas “olhadas ao redor”, que Porfírio testemunhou uma cena que lhe subiu o sangue. Um carro havia parado na ciclo faixa, bem no centro da cidade. E ele não podia permitir aquilo, precisava cumprir seu papel de cidadão social e defender o direito daqueles que utilizam a via.
– Ô, cidadão, você não pode parar aí.
– É rapidinho.
– Nem rapidinho, nem devagarzinho e nem só um pouquinho. Tira o carro.
– Eu só vou descarregar uma caixa. A greve atrasou todas as minhas entregas, preciso agilizar.
– Vai achar um lugar decente para estacionar e depois faz a entrega, camarada.
– Você não tem o que fazer, não, amigo? Vai ficar aí, fiscalizando a rua. Ou melhor, a vida dos outros?
– Você não pensa nos outros? É um baita egoísta, pensando em si e atrapalhando os outros, que são usuários por direito dessa via!
– Ah, faça-me o favor! Eu não vou ficar aqui ouvindo desaforos de um estranho. No tempo dessa conversa, eu já tinha ido e voltado. Vou entregar minha mercadoria.
– Não vai, não! Me dá isso aqui.
– Tá maluco? Solta a minha caixa!
– Só solto quando você achar um lugar decente para estacionar o carro. Você tem que aprender seus direitos e os direitos dos outros!
Eis que, dona Jacinta aparece:
– O que está acontecendo, Porfírio?
– Já veio, vovó? É esse folgado aí que não respeita a faixa das bicicletas.
– É mesmo uma vergonha. Hoje em dia, todos querem dar uma de espertinhos. Ninguém respeita mais nada.
– A senhora tem razão. Povo sem educação.
– Deixa esse sujeito pra lá. Vamos para casa, eu quero ver a segunda temporada de Sense8 no Netflix.
– Tudo bem, vovó. Vamos para casa. Por que a senhora demorou tanto?
– Tinha uma fila enorme.
– Pois é, pelo jeito, o banco estava lotado.
– Sim, só tinha um caixa atendendo o preferencial e tinha um senhor com uma pilha de contas para pagar.
– É um descaso. Deveriam colocar mais atendentes nesses bancos.
– Também acho, querido.
– A senhora conseguiu pagar os meus boletos?
– Sim. Tá aqui os recibos.
– E o troco? Era pra sobrar dois e cinquenta.