O que é terapia? – Por Ricardo Paulino

Foto: Divulgação

Por: OCP News Jaraguá do Sul

29/08/2023 - 07:08

Outro dia fui surpreendido com a seguinte pergunta: “tá, mas o que é terapia?”

Respondi rapidamente: “terapia é uma cura pela fala”.

Em alusão ao dia do psicólogo (a) que ocorreu no último dia 27, gostaria de tentar clarificar essa resposta. O contexto da “terapia” aqui exposto deve ser entendido como “psicoterapia”, advinda do saber psicológico.

Apresentarei rapidamente três conceitos históricos e fundamentais sobre o homem: Pensamento, Desejo e Linguagem, para então articulá-los a função de tratamento e cura presentes em nossa prática.

A ideia de sujeito moderno é concretizada com Descartes, filósofo francês, no século XVII. A famosa frase “penso, logo existo” é um marco no que entendemos por modernidade. O “pensamento” confere estatuto de identidade ao homem. O homem, animal racional, entendido como gênero ou espécie, ganha agora status científico. Que fique claro que aqui não se trata de Pedro, muito menos de Manuela. Não se trata de uma singularidade pessoal, um eu, e sim da razão humana, como logos. A subjetividade, identificada com a consciência, devia se fazer clara e distinta para que o modelo (episteme, ou ciência) fizesse seu aparecimento. Nessa transparência, o desejo era visto como perturbação.

Descartes, influência todo o pensamento posterior, incluindo os iluministas e os idealistas alemães Kant e Hegel. Para Hegel o mundo é uma ideia, assim como em Platão, a razão ainda reina soberana. Porém, ele concebe algo diferente para a gênese humana, o desejo. É enquanto “Desejo” que o homem se revela a si mesmo como um Eu. É através do desejo como uma função negatriz, que o humano, transforma algo natural em cultural. Uma autoconsciência não é ainda uma autoconsciência plena, ela está aprisionada na certeza subjetiva. Para que ela ultrapasse sua dimensão subjetiva individual, ele necessita do reconhecimento por parte de outra autoconsciência e esse reconhecimento só pode se dar pela “fala”, para tanto é preciso admitirmos a preexistência de um código que transcenda as próprias subjetividades em questão. Esse código é a “linguagem”.

Na filosofia contemporânea a razão já não reina absoluta. Mesmo no senso comum, dificilmente admitimos uma verdade, para além daquela que podemos suportar. Mas nem por isso deixamos de sentir seus vestígios. É muito comum, na clínica, escutarmos as pessoas dizerem que querem controlar ou regular suas emoções e sentimentos. Querem ser mais “racionais”, dependerem menos do outro, assim elas poderiam também ter mais controle sobre suas dores e angústias. Não precisamos ir tão longe para ver que não é disso que se trata uma terapia.

O desejo humano só se expressa em relação ao outro e é atravessado por esse código que nos constitui, a linguagem. Temos então que reconhecer por onde opera um psicólogo: pela relação afetiva e dialética da linguagem. Por isso o tratamento e a cura se dão pela escuta qualificada das palavras, que carregam todo o afeto e a dor, através da relação de confiança estabelecida entre o paciente e o psicólogo. É sempre por essa via que podemos subverter o código, subversão essa sustentada pela teoria, na relação que traz consigo os significantes do sofrimento. Desejo e o sofrimento são revelados pela fala. Mesmo que essa fala seja apenas silêncio.

* Ricardo Paulino – Psicólogo – CRP 12/23338 – @ricardopsis

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