“Da intolerância: idade média, mertiolate e Watchmen”

Foto divulgação: Pexels

Por: Raphael Rocha Lopes

17/02/2021 - 09:02 - Atualizada em: 18/02/2021 - 09:45

“♫ Missionários de um mundo pagão/ Proliferando ódio e destruição/ Vêm dos quatro cantos da terra/ A morte, a discórdia/ A ganância e a guerra” (Carta aos missionários, Uns e Outros)

Passamos por estranhos tempos. Perigosos tempos de intolerância. Quando a humanidade saiu da Idade Média, conhecida como idade das trevas, e entrou na Idade Moderna, ou do Iluminismo, a esperança dos pensadores de todas as áreas eram que se vivesse um contínuo ciclo de conhecimento, responsabilidade e liberdade. Liberdade em todos os seus aspectos, mas principalmente liberdade de pensar.

E, antes que os historiadores me atirem pedras, sim, eu sei, há controvérsias sobre esta (di)visão. Ainda que a Idade Média tenha sido de grande repressão, principalmente à liberdade de manifestação, houve muitos acontecimentos importantes. E, ainda que na Idade Contemporânea tenham surgido grandes artistas e pensadores culturais e científicos, também houve desgraças. Não dá para resumir a história em antíteses. É muito mais fácil identificar paradoxos.

E a nossa Idade Contemporânea? Alguns argumentam que já deveria ter sido revista (ou finalizada) com a chegada do homem à Lua ou com as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. Outros defendem que a internet é um marco importante e talvez, agora, o início ou o fim da pandemia seja um parâmetro a se pensar.

De todo modo, como anda a nossa Idade Contemporânea com a internet? Mais para a Idade das Trevas ou mais para o Iluminismo?

E a tolerância?

Estudei em escolas de primeiro, segundo e terceiro graus sem ventiladores ou ares-condicionados (e não me venham com esse papinho que agora está muito mais quente que há 20, 30 ou 40 anos, porque se estivesse do jeito que muitos falam, os únicos lugares seguros em Jaraguá do Sul seriam os altos dos morros). Pegava ônibus lotado. Não ficava irritado porque estava com fome.

Hoje há birra por calor, por fome (de gente que nunca sentiu fome de verdade na vida) ou… porque alguém fala alguma coisa discordante. É um reflexo!

Como dizia o filósofo Umberto Eco, as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis. Ele não viveu o suficiente para ver o estrago muito maior feito pelos aplicativos de mensagens, especialmente o WhatsApp.

Muitas das imbecilidades que se vê na internet são frutos da intolerância. Há, claro, as pessoas de má-fé que manipulam os incautos que precisam fazer parte de alguma turba, e os ignorantes, no sentido de sem conhecimentos. Mas os intolerantes estão infestando as redes sociais e os mensageiros, e ganhando corpo e força!

Não sei se é culpa da Nutella ou do mertiolate que não arde, mas há muita gente que não pode ser contrariada ou não pode ver seu pensamento rebatido: descamba para as ofensas gratuitas na grande rede.

Devemos tolerar os intolerantes?

O Paradoxo da Tolerância, definido pelo filósofo Karl Popper, vem me azucrinando há anos. Diz ele que a tolerância ilimitada leva ao fim da própria tolerância, pois se os intolerantes forem tolerados, eles, os intolerantes, poderão destruir a sociedade livre. Mais ou menos isso.

Então, estariam os grandes da internet (Facebook, Google, Amazon, Apple, Microsoft e Twitter) errados ao não tolerarem os intolerantes e limá-los de suas redes sociais ou lojas virtuais? Permitir que intolerantes fomentem movimentos violentos que levam a mortes é razoável?

Por outro lado, como diria o poeta romano Juvenal, quis custodiet ipsos custodes? Para uma interpretação mais pop, remeto ao dilema dos super-heróis dos quadrinhos Watchmen: quem vigia os vigilantes?

Dizem que um homem com dúvidas é um homem livre. Espero, sinceramente, que vocês sejam tão livres quanto me sinto…