Las Vegas, o dilema das armas e o combate às mazelas da sociedade

Por: Nelson Luiz Pereira

07/10/2017 - 21:10 - Atualizada em: 14/05/2018 - 15:16

O mundo assistiu perplexo, no início dessa semana, a mais uma barbárie que reascende a velha retórica acerca das armas. Ao ritmo do som de música country do Route 91 Harvest Festival, misturava-se a percussão macabra das rajadas do insano atirador Stephen Paddock, 64 anos, posicionado no 32º andar do famoso resort Mandalay Bay, matando ao menos 58 pessoas e ferindo mais de 500.

Em meio ao clima de condolências, e contrariando o popular lema “what happens in Vegas, stays in Vegas”, o que tem triunfado é a recorrente indagação: O Estado deve armar ou desarmar o cidadão? Naturalmente as opiniões são divididas e fundamentadas em acaloradas justificativas. Diante dessa ambivalência, seria leviano refutar a miríade de estudos científicos e estatísticas existentes de ambos os lados, pois quem defende ou rejeita, o faz com sólidos fundamentos e convictos argumentos.

Particularmente, não tenho uma posição fechada sobre esta questão, justamente por entender que o fato de uma população estar armada ou desarmada não determina, necessariamente, mais violência ou menos. Minha concepção é de que a violência não é produzida pela arma, mas pelo comportamento e atitude de quem a porta. Portanto, não vejo sentido em insistir na retórica armar ou desarmar. O que deve haver é um amplo e profundo debate acerca das causas e ambiente da violência.

Arma não configura causa de violência, ela é tão somente um instrumento de violência. Como fenômeno antropológico complexo, e um dos prazeres mais primitivos da espécie humana, a violência vale-se de qualquer meio ou instrumento para se consumar. Então, penso que não podemos nos nortear pelo poder midiático para fundamentar uma opinião sobre armas. Me parece prudente, antes disso, entender o que desencadeia a violência.

Por isso, considero inacabada a premissa apregoada pelo pensador Rousseau de que “o homem num estado de isolamento sempre permanece o mesmo; só vivendo em sociedade ele progride”. Rousseau se esquece aqui, de caracterizar que sociedade seria esta. Sadia ou doente? Tampouco imaginou ele que o desenvolvimento científico e tecnológico da sociedade contemporânea tenha, de certa forma, melhorado o padrão de vida do homem, mas não extinguido seu mal-estar existencial.

Que essa mesma sociedade estaria tão provida de ‘meios’ para viver e tão desprovida de ‘motivos’. Mal-estar este que se configura sob novas formas de tensão e polarização social como: desigualdade, instabilidade econômica, crise moral, corrupção, guerras, terrorismo, desemprego, fome, insegurança, xenofobia, homofobia, intolerância, extremismos, inoperância da lei, ineficiência educacional, entre tantas outras mazelas. Combinação de fatores que desencadeiam as mais variadas doenças psíquicas de nossos tempos, geradoras de estresse, depressão, insociabilidade, síndrome de pânico, compulsões, paranoias e demais insanidades. Por conseguinte, pode-se concluir que a tarefa primeira do Estado não é armar ou desarmar o cidadão, mas, antes disso, combater as mazelas da sociedade.