“Solidão… Como ‘pit stop'”

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Por: Emílio Da Silva Neto

17/10/2019 - 10:10

Projetos de vida devem incluir, no mínimo, a família, o trabalho, os amigos, a sociedade e, logicamente, a si mesmo. Este ‘a si mesmo’ significa, principalmente, pensar em sua própria saúde e felicidade, bases imprescindíveis para a sustentação das ações em prol do coletivo.

Ou seja, vale garantir para si o que os alemães chamam de ‘Lebensraum’, com o significado de ‘espaço vital’, composto de momentos em que se pode viver, plena e solitariamente, aquilo que dá prazer, aquilo que convém, que faz bem, que ‘carrega a bateria’, que dá paz, que faz feliz. Ou seja, o desfrute de uma saudável ‘convivência com a solidão’.

Sem poderem ser tachadas de egoístas ou centradas em si mesmo, algumas pessoas gostam de frequentes atividades solos, como, por exemplo, a leitura, a escrita e longas caminhadas ou pedaladas, pois oportunizando a reflexão e o senso crítico tornam-se ricas ao bem-estar, autoestima e autoconhecimento.

E, não raro, nestes momentos de ‘convivência com a solidão’, começa-se com uma visão e termina-se com outra diferente, isto porque, muitas vezes, a mente torna-se mais fértil e criativa, ou seja, mais aberta ao surgimento de novas ideias, quando nestes caminhos para ‘fora da caixa’.

É isso, principalmente, que tanto atrai, por exemplo, peregrinos ao Caminho de Santiago de Compostela, que escolhendo estarem sozinhos por longos períodos de tempo, durante cerca de 30 dias, vivem uma realidade positiva e construtiva, na qual torna-se mais fácil refletir, conhecer-se mais profundamente e desfrutar pensamentos que só germinam sob tranquilidade e concentração, ambientes naturais da solidão planejada.

Assim, realizar o Caminho de Santiago de Compostela é algo transformador, a ponto de muitos dizerem ser este um caminho sem volta, ou seja, depois de fazê-lo nunca mais se será o mesmo.

Ou seja, praticar atividades em meio à solidão ‘desejada’ (planejada, decidida), além de ser enriquecedor e prazeiroso, turbina inteligências, como a ‘intrapessoal’ (exercício de autoconhecimento), a ‘interpessoal’ (capacidade de lidar com os outros) e a ‘lógico-matemática’ (a fiel companheira de bons pensamentos).

Algo zen acontece quando se está envolto pela solidão desejada. Tudo ao redor entra em silêncio e há uma conexão com regiões da mente, normalmente ‘hibernadas’.

Por outro lado, há a solidão ‘indesejada’, como, por exemplo, a que atinge alguns empreendedores, a chamada ‘solidão do poder’, não aquela de não haver pessoas ao seu redor, mas aquela por não terem, muitas vezes, com quem conversar, honesta e seguramente, sobre suas experiências, preocupações, planos e metas.

Dúvidas sobre o futuro e o risco de tudo dar errado, a qualquer momento, que não podem ser explicitadas, por poder transparecer vulnerabilidade ou fragilidade na frente de outros e, disto, prejudicar a própria imagem e a da empresa.

Sentimento este, de solidão ‘imposta’, frente à equipe, família e sociedade, que precisa ser mitigado, mediante relacionamentos seguros, algo muito raro hoje em dia, onde cada qual parece querer tirar vantagem em cima de outro e a quantidade de verdadeiros amigos mal atinge o número de dedos de uma mão.

De qualquer maneira, contudo, “confiando, desconfiando”, o empreendedor precisa se libertar das garras desta que a Madre Teresa de Calcutá considera a maior doença do mundo de hoje… a solidão!

Amyr Klink, o famoso navegador solitário, diz que “ficar longe das pessoas o fez perceber a riqueza que é a convivência e a beleza que é viver em sociedade, onde se tem milhares de ‘provedores’ invisíveis, gente que não agradecemos e reconhecemos”.

Diz mais: “estamos vivendo um processo muito longo de individualização. Estamos ‘babando’ nas novas formas de comunicação e só pensamos no próprio umbigo, em quantos likes temos. Precisamos entrar numa era deslumbrante e maravilhosa, em que a ideia seja conhecer o outro, quem está ao nosso lado. Descobri essa experiência da convivência, fugindo, aparentemente, dela. Temos uma cultura de se apegar aos bens, mas riqueza genuína é a experiência que vivemos com as pessoas com quem convivemos. Então o que desejo para todos é que convivam”.

Corrobrando com esta visão, uma reportagem da Revista Veja, intitulada ‘As Dores do Crescimento’, traz a informação preocupante de que, nos últimos anos, os casos de depressão aumentaram muito entre jovens de 12 a 25 anos. Algumas hipóteses para esse salto da tristeza abissal, é o império das redes sociais, onde o amplo compartilhamento amplia a solidão dos adolescentes, pois estes se escondem atrás de smartphones. Ou seja, nunca dantes estiveram tão conectados e, no entanto, tão sós.

Na mesma linha, Martha Medeiros lembra que, hoje em dia, do quarto dos pais aos quartos dos filhos, pode existir um corredor de 2 mil km a separá-los. Também, entre uma cadeira e outra no restaurante, abre-se uma cratera a cada vez que se coloca o celular sobre a mesa e se fica checando as redes em vez de conversar, rir e fazer confidências.

Por isso, que se evite este tipo de “silêncio a dois”, provocado pelo relacionamento cibernético, pois isto leva, passo seguinte, a um inexorável sentimento de solidão ‘indesejável’.

Afinal, estar a sós o tempo todo, sem interagir presencialmente com as emoções dos outros e sem expressar as inquietudes de viva voz, não traz evolução pessoal a ninguém.

Enfim, de Aristóteles (Grécia, 384-322 a.C.), para quem “a solidão cria deuses e bestas” até Schopenhauer (Polônia, 1788 – Alemanha, 1860), para quem, “o que torna as pessoas sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nela, a si mesmos” e Vinicius de Moares (Brasil, 1913-1980), para quem, “sofrer junto é melhor que viver feliz sozinho”, parece claro que conviver, desejável ou indesejavelmente, com a solidão, deve ser por pouco tempo, como que num pit stop!