“Reinventando-se na ‘melhor’ idade”

Por: Emílio Da Silva Neto

10/06/2019 - 12:06 - Atualizada em: 28/09/2019 - 12:01

A águia é a ave que possui a maior longevidade da espécie. Chega a viver setenta anos.

Mas, para chegar a essa idade, aos quarenta anos ela tem que tomar uma séria e difícil decisão. Nesta idade, ela está com as unhas compridas e flexíveis, não conseguindo, mais, agarrar presas para a sua alimentação. O bico alongado e pontiagudo se curva e, apontando contra o peito, estão suas asas, envelhecidas e pesadas, em função da grossura das penas. E, voar passa a ser difícil!

Então, a águia só tem duas alternativas: morrer ou enfrentar um dolorido processo de renovação, que irá durar cento e cinquenta dias.

Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho próximo a um paredão, onde ela não necessite voar. Assim, após encontrar esse lugar, a águia começa a bater com o bico em uma parede até conseguir arrancá-lo.

Após arrancá-lo, espera nascer um novo bico, com o qual vai depois arrancar suas unhas. Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só cinco meses depois, sai o formoso voo de renovação e para viver, então, mais trinta anos.

Esse processo extremo de renovação da águia, embora provoque reflexões, não precisa ser aplicado ipsis líteris pelos seres humanos, quando estes chegam à chamada ‘melhor’ idade, fase da vida, que, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), começa aos 60 anos, nos países em desenvolvimento, e, aos 65 anos, nos países desenvolvidos.

Eufemismo ou não, esta ‘melhor’ idade, é aquela (após a da preparação escolar e, em seguida, a do exercício profissional sistemático) que garante à pessoa a abertura de um ‘amanhecer’ diferente de todos aqueles, pelos quais ela já passou em outras fases da sua vida. E por isso, ainda que, às vezes, não tão palpável assim (devido ao comprometimento de condições físicas ou mentais), torna-se a ‘melhor’ idade para se (re)descobrir o mundo ao redor e abrir neste universo, cheio de possibilidades, novos horizontes.

O certo é que a ‘terceira idade’ é uma fase de transformação de ideais de vida e, em consequência, de mudança de propósitos (ou de vontade para tal), em que, abraçando um novo estilo de vida, reinventar-se passa a ser, frequentemente, uma inspiração ou necessidade.

Muitos saem de suas empresas, em busca de tranquilidade, projeto diferente ou nova relação com a família e sociedade, após décadas em ambientes fechados de trabalho, objetivando uma vida mais ‘a céu aberto’. Reduzem o uso de carro, caminham mais e mudam o rumo pessoal, em prol de uma rotina mais tranquila ou para abraçar atividades mais ligadas a suas crenças e valores.

Por opção ou necessidade, os da ‘melhor idade’ tornam-se, cada vez mais, ‘presentes’ na paisagem urbana, quer seja em atividades profissionais, quer seja em cursos e palestras de capacitação e reorientação profissional.

Essa turma ‘experiente’, contudo, busca rotinas mais gratificantes que o penoso pêndulo ‘casa-trabalho-casa’, pois o significado de sucesso passa a ser medido por ‘quanto se é dono do seu tempo’.

Por exemplo, após uma pausa, como período de ‘silêncio interior’ (para, entendendo forças e fraquezas próprias, ter um momento de reflexão para conseguir enxergar o caminho adiante), muitos ex-executivos passam a se dedicar ao compartilhamento de conhecimentos, como conselheiros de empresas, consultores, professores, palestrantes, colunistas e comentaristas. Outros a atividades operacionais, artísticas, voluntárias e educacionais.

Enfim, a terceira/’melhor’ idade possibilita a descoberta de muitos outros interesses, além da profissão exercida ao longo da vida, e serve de incentivo a se ‘virar a página’, de se ‘repaginar’, para multiplicar possibilidades pessoais e profissionais.

No mais, a diferença entre o que se ganhava e o que se passa a ganhar, é o preço da própria felicidade, pois o sucesso profissional, nesta nova fase da vida, não admite, mais, ‘abrir mão’ de coisas importantes, como, por exemplo, hobbies, família e amigos.

Assim, eximir-se de trabalhar em todos os chamados ‘dias úteis’ da semana é altamente salutar, significando um up grade na qualidade de vida.

A regra básica, para os da ‘melhor idade’ é não querer ser ou parecer alguém de 30 anos e, sim, utilizar a sua experiência e percepção para continuar integrado, com utilidade e significado, às gerações seguintes.

Por fim, vale lembrar Ingmar Bergman (“envelhecer é como escalar uma grande montanha: enquanto se escala, as forças diminuem, mas o olhar é mais livre, a visão mais ampla e mais serena”), Marie Von Ebner Eschenbach (“na juventude aprendemos, na velhice entendemos”), um grafite de rua (“um homem não envelhece quando sua pele enruga, mas quando seus sonhos e esperanças se encolhem”), um provérbio alemão (“as árvores mais antigas dão os frutos mais doces”), uma expressão popular (“velho é aquele que considera cumprida sua tarefa, levantando-se sem metas e deitando-se sem esperança”) e, por fim, David Bowie, o ‘Camaleão do Rock”, um dos músicos mais intelectuais, inovadores e influentes de todos os tempos (“envelhecer é um processo extraordinário, em que você se torna a pessoa que sempre deveria ter sido”).