“Palavras (re)escritas”

Por: Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

08/05/2020 - 16:05 - Atualizada em: 08/05/2020 - 16:10

Em meados de março, a população brasileira (e mundial – uns antes, outros concomitante) deparou-se com um inimigo invisível, difícil de ser combatido e que exigiu mudança de postura em todos os setores.

Em relação à educação básica, meu inerente recinto natural, vivemos um período de desvalorização, desprestígio, desrespeito e mudanças. Mas, assim como Raulzito, também sigo preferindo “ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Muitos protestam: que sentido há em filosofar? – uma disciplina que, aliás, cogitou-se retirar da relação obrigatória dos currículos.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não exclui a filosofia nem dá diretrizes rígidas para a sua configuração no Ensino Médio, todavia explicita que esta não se constitui no currículo dessa fase formativa, apenas na definição das suas aprendizagens essenciais. O futuro da unidade curricular de filosofia ainda é incerto, pois a BNCC permite que ele seja decidido nas instâncias estaduais e municipais e mesmo nas escolas.

Então, volto a arguição. Por que filosofar? Formamos seres humanos. Tencionamos formar cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade. Desse modo, visamos compreender o homem – arriscando atitudes responsivas ativas. No entanto, a área de humanas tem em mente um entendimento diferente da Biologia, por exemplo, pois foca o olhar no homem como criador de valor, ideias, significados e planos – não que os biólogos também não reflitam sobre essas questões.

Refletindo sobre as repentinas mudanças

Reside aí o valor, das interrogações em torno de quais ideias e valores estão em voga. Eis que surge outra pergunta: como as ideias aparecem nos nossos dias? Há filósofos que mencionam que as ideias surgem na forma de mentalidades, modelos, expectativas e crenças. Então, creio que o fazer filosófico busca, também, a verdade das coisas, a validade das regras, normas e costumes.

E, atualmente, imersa em um isolamento social, de quarentena e debruçada sobre imensas tarefas diárias – não deu tempo de sentir o tédio e/ou desfrutar das necessárias pausas – pego-me a pensar, refletir, criar e buscar perguntas; uma vez que as respostas não estão mais dadas ou postas como no mundo passado há dias, em que as informações e respostas chegavam prontas em um tal de “ctrl c + ctrl v” instantâneos…

Assim, a verdade das coisas, a validade das regras, normas e costumes modificaram-se. Tudo se modificou. Já não há mais lei válida para a relação de trabalho. Chegam medidas provisórias a todo vapor. Não há mais regras para uso de máscara. Encomendam-se máscaras de tecido a todo vapor. Não há mais normas de boa educação. Recomendam-nos distância e oposição ao “toque” (beijo, abraço, toquinho de mão).

Contestam-se ações ainda agora incontestadas. Não há mais missas, cultos, jogos de futebol, estádios lotados, shows, procissões (sendo que a quarentena coincide com a época de Quaresma – ocasião especial para os cristãos). Não há mais respostas. Perguntas? Várias!

Contestação para (re)escrever a história

Voltando ao cerne, a educação, percebo a relevância de se desenvolver competências que envolvam a reflexão, a investigação, a pesquisa e o ato de opinar e decidir na educação, além, é claro, de um fazer docente que envolva a pergunta e o diálogo, visto que sem um fazer docente que envolva a pergunta e o diálogo não podemos dizer que temos uma formação humana integral incontestável.

Para quem já leu e/ou já ouviu falar, as concepções de Bakhtin demandam do leitor um olhar múltiplo sobre o mundo e sobre o outro. Refere-se a um olhar que vê o mundo a partir de ruídos, vozes, sentidos, sons e linguagens que se misturam, (re)constroem-se, modificam-se e transformam-se, de maneira contínua. Assim sendo, “a palavra” adquire função primordial, visto que os sujeitos se constituem e são constituídos por meio dela.

Por essa razão, humildemente e desaforadamente valho-me da palavra para constituir-me (e querer buscar constituir-me de) e interagir com vocês a respeito de todo esse cenário caótico e desgovernado promovido pela pandemia da Covid-19 ao que lanço “as palavras” de Marcelo Fromer e Sérgio Britto: “palavras são sombras, as sombras viram jogos, palavras pra brincar, brinquedos quebram logo, palavras pra esquecer, versos que repito, palavras pra dizer de novo o que foi dito, todas as folhas em branco”.

 

 

Vamos (re)escrever a nossa história, bem como a da educação, juntos? Precisamos de contestações – contestar as ações até então entorpecidas – que vislumbrem o olhar, o sentir e o agir sobre o mundo e sobre o outro.

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