“Os recursos existentes no fundo (Fundo Municipal de Cultura) são públicos e próprios do município. A intenção era utilizar o saldo para outras ações”, declarou o procurador-geral da Prefeitura de Jaraguá do Sul, Benedito Carlos Noronha, ao tomar conhecimento de que Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) entrou com ação civil pública na Justiça pedindo a anulação das leis aprovadas em fevereiro, que extinguiram o Fundo Municipal de Cultura. O processo ingressado pela 6ª Promotoria de Justiça (PJ) de Jaraguá do Sul também pediu liminarmente o bloqueio do saldo do fundo, de cerca de R$ 1,7 milhão, até o fim do julgamento. Até o fim da tarde de quarta-feira, a Prefeitura não havia sido notificada sobre a ação, informou Noronha. Ele também comentou que os recursos do fundo – que conforme a lei seriam destinados à Secretaria de Administração – não estavam sendo utilizados integralmente.
O procurador observa que a administração municipal procurou, inicialmente, reduzir o valor percentual do fundo, a proposta não foi aceita. Mesmo com a extinção do fundo, Noronha reitera que a cultura não ficará sem recursos. “A secretaria continua com o valor destinado, de R$ 5 milhões, para todas as ações”, afirma. O procurador acrescenta que assim que o município se inteirar da ação tomará as medidas cabíveis.
Extinção iria contra a Lei Orgânica do Município
Conforme o promotor Ricardo Viviani de Souza, o entendimento do MP é que Lei Orgânica do Município (LOM), o Sistema Municipal de Cultura e o Plano Municipal de Cultura impedem a extinção do fundo. Na LOM, aponta o promotor, estão previstas diversas formas para o incentivo à cultura, sendo uma delas a concessão de apoio administrativo, técnico e financeiro às entidades culturais e pessoas físicas e jurídicas que disseminam e produzem cultura. Esta concessão, conforme a legislação municipal, é feita por meio do fundo.
“O quanto o poder público vai dar, como vai dar, quando vai dar, ele pode programar, pode discutir se o percentual (repassado ao fundo) tem que ser diminuído ou aumentado. Mas o que Ministério Público entendeu é que, se eu tiro o fundo, não tenho mais como dar esse apoio, porque ele é previsto pela LOM como o meio objetivo de eu dar apoio”, explica Souza. A LOM foi revista e atualizada em 2010, ano em que a atual secretária de Cultura, Esporte e Lazer, Natália Lúcia Petry, presidia a Câmara de Vereadores de Jaraguá do Sul.
Da mesma forma, o Plano Municipal de Cultura prevê o lançamento de editais e de seleções públicas como forma de fomento ao setor, que ficariam prejudicados sem a existência do fundo. Assim como o Sistema Municipal de Cultura é vinculado ao Sistema Nacional de Cultura por meio de um acordo de cooperação firmado com a União, em que o município se comprometeu a “criar, implantar, manter ou reestruturar o sistema, em especial o fundo”, complementa o promotor.
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Sistema próprio é decisão da sociedade
Na ação, o MP argumenta ainda que a obrigatoriedade de manutenção do fundo se trata de uma decisão da sociedade, por meio de seus representantes legais. “Havendo essa opção da sociedade, e a sociedade tendo conquistado esse avanço na seara cultural – não estou dizendo que outras áreas não são importantes –, mas havendo esse avanço na proteção da cultura como direito social, entende o MP que não pode de uma hora para outra o fundo, que é o cerne de todo esse sistema, ser simplesmente extinto”, afirma Souza.
Outro fato apontado é que teria havido desvio de finalidade na atitude do Executivo, já que inicialmente a intenção era utilizar o saldo do fundo para outras despesas. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impede que os recursos legalmente vinculados à finalidade específica sejam usados para outro fim, a Prefeitura optou pela extinção.
“Além do desrespeito às leis e a essa conquista (da sociedade), o que está havendo aqui é um desvio de finalidade, porque o que o município queria, na verdade, é buscar o dinheiro do fundo, e como isso não é permitido, ele o extingue”, explica o promotor.
O MP também pediu medida liminar para o bloqueio do saldo do fundo. A intenção é preservar os recursos, caso a Justiça julgue a ação procedente, já que a utilização para outros fins dificultaria a recuperação do valor em uma possível decisão favorável.
Classe artística continua acompanhando o caso
A classe artística do município aguarda decisão da Justiça e continuará a acompanhar o caso. O grupo considera que a ação não é um desfecho, mas é um avanço, pois demonstra que a questão deveria ter sido levada com diálogo.
“Quando a Prefeitura apresentou os projetos sem consultar o Conselho de Cultura (Concultura) e os artistas, o Movimento de Mobilização Cultural se articulou rapidamente alertando toda a sociedade e o Ministério Público que o Plano Municipal de Cultura e o Sistema Municipal de Cultura estavam sendo desrespeitados”, afirma o produtor audiovisual Marlon de Toledo, destacando que a classe procurou a Câmara de Vereadores com a mesma intenção.
O produtor comenta que o Concultura já passou por dificuldades, mas que a sociedade e o poder público encontraram solução no diálogo. “Da forma como a atual gestão propôs, foi extremamente arbitrária e demonstrou muito desconhecimento sobre a política cultural, reforçando diversos preconceitos que alguns setores da sociedade tem com os artistas”, avalia Toledo.
Por: Verônica Lemus