O OCP continua nesta quinta-feira (23), a série de reportagens especiais que resgatam os 10 anos da enchente de 2008. Para ler a parte 1 clique aqui. Para ler a parte 2 clique aqui.
Há uma década, um dos maiores desastres naturais do Estado aniquilava casas, edifícios e, o mais triste, famílias, em toda Santa Catarina.
Desde 2008, a mão humana foi capaz de reconstruir grande parte das marcas deixadas pelas enxurradas, mas existem feridas que ficarão para sempre no coração dos jaraguaenses que perderam familiares e que ainda hoje sofrem ao lembrar a sequência de dias de terror que atingiu Jaraguá do Sul.
A terceira reportagem especial desta série busca exatamente dar voz às vítimas que sobreviveram às enchentes e por esses dez anos precisaram superar os traumas sem marido, mulher, filhos, netos e amigos.
Confira os relatos e entenda como estas pessoas reconstruíram suas vidas para voltar a sorrir:
“Esquecer não é uma opção”
Após um dia cansativo, Carlos Alberto Manske e a mulher Silvana Cleide Martins colocaram as duas filhas Bruna Thais e Maria Eduarda para dormir e foram para cama, sem ter ideia do que a madrugada do dia 23 de novembro de 2008 reservava para a família.
A chuva torrencial que caía sobre a cidade parecia ser só mais uma tempestade normal, mas, infelizmente, não era. A residência onde o casal morava, no loteamento Pakuzewki, no bairro São Luís, estremeceu sinalizando que algo podia acontecer.
Silvana estava acordada e se assustou. Foi ela quem despertou Carlos sugerindo que tirassem as crianças de casa. Ele foi para fora e quando ia pegar uma das filhas que sua mulher segurava na janela, a casa desabou.
Os vizinhos escutavam choros e gritos, entretanto, logo em seguida, o desabamento deixou um silêncio profundo. Silvana, Bruna e Maria Eduarda foram as três primeiras vítimas fatais que a enxurrada daquele ano deixou em Jaraguá do Sul.
As lembranças da tragédia ainda rondam a cabeça do jaraguaense, que, como outros sobreviventes, não gosta de tocar no assunto e de maneira alguma pensa em retornar à antiga casa.
A reconstrução não foi fácil, mas com muito esforço e ajuda ele construiu uma modesta casa, na rua José Narloch. “A Prefeitura doou o terreno e o material de construção eu consegui por meio de doações de amigos”, relata, emocionado.
“Seguir em frente”, esse é o lema que Carlos vem carregando, mas alguns empecilhos dificultam sua rotina. Quando o desastre estava completando cinco anos, em 2013, ele ganhou um grande presente, o nascimento de sua filha Eduarda, de seu segundo casamento.
Há alguns anos, ele rompeu com Salete e hoje passa somente o fim de semana com a criança. Carlos busca resolver todos os trâmites de sua nova casa com a Prefeitura, mas um embate entre ele e parentes de sua segunda mulher dificultam a situação.
“Não foi fácil seguir em frente”
Domingo, 23 de novembro de 2018, as famílias Lesocowicz e Franzner se reuniram em um clube de Jaraguá do Sul para uma confraternização. Um dia de festa para simbolizar a união das pessoas, muitas delas estavam se encontrando pela primeira vez.
Durante a madrugada, porém, toneladas de terra e pedras deslizaram de um morro em frente e aos fundos da residência da família, que ficava na rua Walter Marquardt, no bairro Barra do Rio Molha. Renan Willian Lescowicz, de 19 anos, foi o único sobrevivente da tragédia que matou nove pessoas.
Ele quebrou as duas pernas, chegou a ficar dois meses em uma cadeira de rodas e outros seis andando de muletas.
Hoje, com 29 anos, Renan é casado com Catherine e pai do menino Samuel, de 9 anos. Ele faz de tudo para esquecer o fatídico 24 de novembro e admite que é difícil falar sobre o que aconteceu. “Tenho um filho e uma esposa maravilhosa, meu suporte está neles”, diz.
Apesar de buscar superar a dor, existem momentos específicos que o ferimento aparece. Natal e Ano Novo lembra o quê? É quase unânime que família seria a resposta correta.
E são nessas datas que a tristeza bate mais forte no coração de Renan. “Nossa família era muito unida, por isso dói bastante, mas é necessário superar”, enfatiza.
Com inglês fluente, uma das alternativas escolhidas por Renan para deixar 2008 para trás foi viajar, conhecer novos lugares e esfriar a cabeça. “Essa foi a receita que encontrei para levantar a cabeça e continuar escrevendo a minha história. Não foi fácil seguir em frente”, enfatiza.
“A vida é muito curta para ficar reclamando”
A família Ronchi tinha uma madeireira no entorno da BR-280, em Guaramirim. A chuva forte que caía no dia 23 de novembro de 2008 destruiu completamente a empresa, mas, no final, o sentimento de Alcirio e Mara Ronchi foi de alívio.
O filho do casal, Ariel Ronchi, que tinha apenas 16 anos na época, trabalhava na madeireira e decidiu fecha-la mais cedo. Antes sair do local, o barranco desmoronou no fundo da construção, deixando o jovem soterrado.
Ele só conseguiu se salvar porque as portas serviram como uma barreira para que o peso do concreto não o esmagasse.
Ariel não consegue nem explicar como passou por tudo aquilo ficando com apenas arranhões. Ele lembra que antes dos bombeiros chegarem, os próprios vizinhos tentaram resgatá-lo.
“Eu nem quis ir para o hospital. Realmente foi um milagre”, acredita. Por outro lado, a empresa, inaugurada no começo daquele ano, precisou ser totalmente reconstruída.
Hoje com 26 anos, Ariel diz que aquele dia mudou completamente sua maneira de ver a vida. Ele passou a valorizar cada momento. “Minha rotina é diferente agora, eu percebi que a vida é muito curta para ficar reclamando”, ensina.
Alcírio conta que eles precisaram reconstruir a madeireira com o próprio dinheiro, sem nenhuma ajuda.
Mas após anos com empréstimos e buscando ajuda do governo, que foi em vão, eles fecharam a empresa ano passado com grande prejuízo. “Infelizmente nesse país o governo só suga, se puder até te enterra”, indaga.
“Um dia você tem tudo, no outro não tem nada”
Prestes a completar 60 anos, com a família unida e a casa novinha em folha após uma grande reforma. Tudo parecia perfeito na vida dos aposentados Egon e Ilena Brieze, de 69 e 66 anos, até o dia 23 de novembro de 2008.
Cerca de 100 toneladas de pedra e barro deslizaram e aterraram a casa da família, no bairro Rio Cerro. “Um dia você tem tudo, no outro não tem nada. É difícil de digerir”, recorda.
Para sorte da família, no fim da tarde do dia 22, ocorreu o primeiro deslize de pedras e barro, dando sinal para que as pessoas que moravam por lá deixassem suas casas antes do pior.
Egon conta que o morro era uma laje de pedras e como choveu sem trégua por muitas semanas, a pouca terra que tinha foi embora, abrindo caminho para que as pedras fossem morro abaixo.
Egon reclama que não recebeu qualquer tipo de ajuda do município, sendo disponibilizadas apenas cestas básicas pela Assistência Social da Prefeitura de Jaraguá do Sul. A Defesa Civil interditou a antiga área onde eles moravam e assim o local permanece até hoje.
A família ficou abrigada por um ano no salão da igreja de Confissão Luterana antes de conseguir recomeçar. “Com todo dinheiro do nosso bolso, eu e meus filhos construímos novas casas”, diz.
Em meio ao caminho adverso que sua vida tomou, Egon acredita que a união da família foi essencial para que eles conseguissem se manter de pé. “O essencial para ser feliz eu já tenho”.
Esta é a 3ª parte de uma série de cinco reportagens que recontam e refletem sobre a tragédia que assolou Jaraguá do Sul e região em 2008.
Leia a 1ª parte clicando aqui.
Leia a 2ª parte clicando aqui.
A quarta parte do especial será publicada neste sábado (24). Não perca!
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