A ocupação dos imigrantes húngaros no final do século 19, onde hoje é parte da área rural de Jaraguá do Sul, é o tema da pesquisa de doutorado em Etnografia e Antropologia Cultural que a jaraguaense Fernanda Lucia Maes iniciou em 2021 na Universidade de Debrecen, fundada em 1538, na cidade de Debrecen, localizada a cerca de 200 km de Budapeste, capital da Hungria.
Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Regional de Blumenau (Furb) e com mestrado em Engenharia de Sistemas Urbanos também pela Universidade de Debrecen, Fernanda é descendente de húngaros por parte de mãe. “O sobrenome do meu avô é Steinmacher e o da minha avó é Scheuer“, conta.
Fernanda explica que as famílias húngaras que vieram para Jaraguá do Sul são originárias do Condado de Veszprém e que a ocupação começou por Rio do Cedros. Depois, eles foram subindo, passando por Garibaldi, Alto Garibaldi, Jaraguazinho, Santa Cruz, Cacilda e Santo Estevão, até chegar em Jaraguá 84, que tem esse nome porque ali ficava o lote que levou o número 84.
Foco na expressão cultural dos imigrantes
“Meu foco é a expressão cultural desses imigrantes através da arquitetura e da forma de habitar em uma nova paisagem. Depois que eu me conectei mais com a minha descendência húngara, eu comecei a me perguntar bastante sobre se existe alguma influência dos meus antepassados nesses aspectos arquitetônicos e na forma com que essas famílias se relacionaram com uma paisagem nova e bem diferente das que eles eram acostumados na Hungria”, diz Fernanda.
“Hoje nós sabemos quais são os principais vilarejos do Condado de Veszprém de onde saíram essas famílias, por isso eu realizei trabalhos de campo visitando todos eles para estudos comparativo e morfológico entre Hungria e Jaraguá do Sul. Além de visitas em arquivos históricos, outra fonte que é de extrema importância para mim durante a minha pesquisa é a memória coletiva da comunidade de descendentes daqui de Jaraguá, para entender o que foi transmitido para as gerações atuais nesse aspecto”, explica a doutoranda, que esteve no Brasil no início deste ano e realizou um workshop com parte dos descendentes húngaros aqui da cidade.
Fernanda conta que percebe a influência dos imigrantes húngaros em Jaraguá em lugares simbólicos, como a Igreja Santo Estevão, as primeiras escolas e até mesmo as pequenas casas de comércio que apareceram na região rural, e funcionavam como importantes pontos de encontro na época. Também uma possível influência no estilo das varandas das casas, que na Hungria são chamados de ‘tornác‘.
“Além disso, eu também trabalho com a hipótese dos húngaros, por muito tempo, terem permanecido ‘escondidos’ de certa forma, por serem na época uma minoria étnica e por também falarem o alemão, além do húngaro. Isso pode ter se refletido na forma de expressão cultural desses imigrantes em diversos aspectos. Felizmente hoje testemunhamos uma maior valorização através de trabalhos incríveis que vemos sendo desenvolvidos no município”, observa Fernanda.
Ela ressalta que os trabalhos do pesquisador da imigração húngara em Santa Catarina, Sidnei Marcelo Lopes, e da historiadora Sílvia Kita, chefe do Arquivo Histórico de Jaraguá do Sul, também têm sido fonte valiosa para o desenvolvimento dos seus estudos.
Jaraguá do Sul tem hoje aproximadamente 15 mil descendentes húngaros e um consulado honorário – representação diplomática da Hungria na cidade, que tem a função de auxiliar húngaros que moram ou estejam de passagem por aqui.
Valorização da cultura húngara em Jaraguá do Sul
Em outubro do ano passado, o prefeito de Jaraguá do Sul, Jair Franzner, assinou o processo licitatório para a construção da Praça Húngara (Magyar Tér), em Santo Estevão, no Garibaldi. Ela terá espaço para memória e homenagem aos colonizadores da etnia que se estabeleceram na região na década de 1890.
A estrutura terá elementos que remetem à praça da cidade de Veszprém, além de abrigar a “Lança Húngara”, símbolo da força e união da comunidade húngara e que foi doada ao município em 1996, por um empresário paulista.
No ato da assinatura, estavam presentes a cônsul-geral da Hungria, Szuszanna László, a adida cultural e de educação, Észter Klara Dobos, e o cônsul honorário Amauri Steinmacher, além de autoridades e convidados.
Szuszanna László comentou que considera Jaraguá do Sul um lugar especial, por ser a única cidade do Brasil, fora as capitais, que possui um consulado especial.
A visita da cônsul húngara também teve como finalidade prestigiar a 1ª edição da Bienal Internacional do Livro, que homenageou o país da Europa Central e a cidade de Veszprém, coirmã de Jaraguá do Sul. A Bienal reverenciou o escritor e tradutor Sandor Lenard, húngaro que viveu seus últimos anos no interior de Santa Catarina.
“Aqui as coisas acontecem. Estou muito feliz em ver o entusiasmo da gestão municipal em valorizar a nossa cultura e as tradições. Agradecemos imensamente pela homenagem na Bienal e por este incrível projeto da praça. Jaraguá do Sul e Veszprém são muito parecidas, em se tratando de segurança, de cultura. Veszprém também passa por uma fase muito boa, sendo hoje a Capital Europeia da Cultura”, mencionou. “Veszprém e Jaraguá do Sul caminham bem juntas”, finalizou.
“A literatura húngara é uma das mais potentes do mundo e Lenard foi um expoente da escrita e da tradução”, afirmou o diretor de Programação Artística e Internacional da Bienal, Carlos Henrique Schroeder.
A multipremiada e principal autora húngara da nova geração, Krisztina Tóth, e o sociólogo húngaro András Szántó, um dos mais importantes consultores em arte e museus do mundo, autor de “O futuro do museu”, também participaram da Bienal.