É comum que o planejamento sucessório seja feito por meio de doação de bens dos pais para os filhos, o chamado adiantamento de legítima.
Nesses casos, geralmente, os bens doados já são de propriedade do doador há muito tempo e, consequentemente, possuem um valor mais elevado no momento da doação, o que resulta da valorização do bem no decorrer dos anos.
Forçoso citar que tem se tornado cada vez mais corriqueira a constituição de uma “holding” (administradora de bens) para a organização e redução de custos no planejamento sucessório, porém, ainda assim, a doação direta é realizada com bastante frequência.
A legislação tributária dispõe expressamente que na transferência dos bens por sucessão (herança ou doação em adiantamento da legítima), o doador poderá avaliá-los tanto pelo valor de mercado quanto pelo valor constante na declaração de imposto de renda, ou seja, é uma faculdade que a lei garante ao doador.
Veja-se:
Lei 9.532, de 1997
Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.
Contudo, a citada normativa também prevê a incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento nos casos em que a transferência ocorrer pelo valor de mercado do bem, sendo que o percentual mencionado incidirá sobre a diferença do valor constante na declaração de imposto de renda do doador e aquele declarado no momento da doação e/ou herança.
Ocorre que a discussão acerca da incidência ou não do imposto de renda nesses casos chegou ao Poder Judiciário, visto que nas transações que envolvem direito sucessório as partes já precisam dispender de altos valores para o pagamento do imposto de transmissão causa mortis e doação (itcmd).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (SC, RS e PR) já havia se manifestado sobre a temática no ano de 2009 ao julgar uma Arguição de Inconstitucionalidade dos dispositivos legais acima citados, oportunidade em que firmou entendimento em favor do contribuinte, concluindo que a normativa afronta o princípio da capacidade contributiva.
TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPOSTO DE RENDA SOBRE GANHOS DE CAPITAL DO DOADOR NO ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. ART. 3º, § 3º, DA LEI Nº 7.713/88. ART. 23, § 1º E § 2º, II, DA LEI Nº 9.532/97. AFRONTA AO PRINCPIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA – ART. 145, § 1º, DA CF/88.1. (…)
(TRF-4 – ARGINC: 5114 PR 2004.70.01.005114-0, Relator: ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA, Data de Julgamento: 18/12/2009, CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: D.E. 22/04/2010).
Entretanto, a tese só ganhou força recentemente, quando a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre o assunto e igualmente entendeu pela não incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital nos casos de doação para adiantamento de legítima e herança.
O Ministro relator Roberto Barroso esclareceu que, na sua visão, quando da antecipação de legítima, não há qualquer acréscimo patrimonial disponível ao doador, razão pela qual não há fato gerador para o imposto de renda sobre o ganho de capital. (ARE 1387761 AgR, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento: 22/02/2023).
Vale ressaltar que, embora o entendimento não esteja pacificado, os contribuintes vêm obtendo êxito por meio de demandas judiciais para o fim de não recolher o imposto de renda sobre o ganho de capital aos cofres públicos.
Inclusive, o Tribunal Regional da 4ª Região, que é o responsável pelos julgamentos das demandas do Estado de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, continua se manifestando favoravelmente à isenção, consoante decisão recente abaixo colacionada:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. GANHO DE CAPITAL. DOAÇÃO. ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. ART. 3º, §3º, DA LEI Nº 7.713, DE 1988. ART. 23, § 1º E § 2º, II, DA LEI Nº 9.532, DE 1997. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2004.70.01.005114-0. (TRF4 5010748-67.2023.4.04.7205, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 19/09/2023).
Importante mencionar que a ação originária da decisão acima citada foi da 1ª Vara Federal de Blumenau e já havia sido positiva ao contribuinte.
Nos autos do processo, o Juiz Federal Leandro Paulo Cypriani, decidiu:
“Ante o exposto, com esteio no art. 487, I, do CPC, concedo a segurança postulada para declarar ser indevida a exigência do IR na hipótese (doação) sob exame” (grifo nosso).
Logo, em que pese a questão ainda esteja longe de ser pacificada nos tribunais, a jurisprudência que vem sendo formada pelo STF, além de todas as outras discussões doutrinárias e legislativas, dão boa base para refutar a incidência do imposto para o doador em situações análogas, motivo pelo qual faz-se de suma importância o acompanhamento de assessoria jurídica capacitada.
Além disso, é possível buscar judicialmente a restituição de valores recolhidos indevidamente nos últimos 05 (cinco) anos a título de imposto de renda sobre o ganho de capital nos casos de herança ou doação para adiantamento de legítima, justamente com fundamento na inconstitucionalidade citada.